quarta-feira, 13 de outubro de 2010

LEGITIMIDADE PASSIVA DO MUNICÍPIO E DA CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO


Processo   626857-1 Apelação Cível
Data    06/10/2010 16:23
Apelação Cível e Reexame Necessário nº 626.857-1, da Vara Cível e Anexos da Comarca de Andirá.
Relator: Juiz Substituto em 2º Grau Fernando César Zeni
Apelantes: Adriana Aparecida da Silva e outro
Apelado: Município de Andirá
Rec. Adesivo: Município de Andirá
Apelados: Adriana Aparecida da Silva e outro

ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. LEGITIMIDADE PASSIVA DO MUNICÍPIO E DA CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO. MENOR QUE CAIU EM GALERIA FLUVIAL E VEIO A ÓBITO. DANO MORAL. MAJORAÇÃO. DANO MATERIAL DEVIDO AOS PAIS, QUE SÃO TRABALHADORES RURAIS DE BAIXA RENDA. APELO VOLUNTÁRIO PROVIDO EM PARTE E RECURSO ADESIVO DESPROVIDO. 1. "A indenização por dano moral tem caráter dúplice, pois tanto visa a punição do agente quanto a compensação pela dor sofrida, porém a reparação pecuniária deve guardar relação com o que a vítima poderia proporcionar em vida, ou seja, não pode ser fonte de enriquecimento e tampouco inexpressiva. (RT 742/320)" 2. É dever do Município manter as vias públicas em boas condições de conservação e de fiscalizar os serviços das concessionárias, visto que para aquele que sofre o dano, pouco importa quem tenha feito o buraco ou deixado de consertá-lo. É dever do Município fiscalizar toda e qualquer obra ou perigo iminente que possa atingir o cidadão dentro de seu território, não se eximindo do dever de indenizar ao argumento de que o bueiro que estava sem a tampa encontrava-se dentro da propriedade de concessionária de serviço púbico (ALL ­ América Latina Logísitica). 3. "A morte do filho menor em acidente, mesmo que à data do óbito ainda não exercesse atividade laboral remunerada, autoriza os pais, quando de baixa renda, a pedir ao responsável pelo sinistro a indenização por danos materiais, resultantes do auxílio que futuramente o filho poderia prestar-lhes. (...) (STJ ­ Resp. 555.036/MT, 3ª Turma, rel. Min. Castro Meira)"

Vistos, relatados e discutidos estes Autos de Apelação Cível nº 626.857-1, da Vara Cível da Comarca de Andirá.

Este recurso, apresentado por Adriana Aparecida da Silva e outro, impugnou parte da sentença proferida nos Autos 440/06, no que pertine a condenação da parte vencida ao pagamento de dano moral em R$ 25.000,00, em razão da morte do menor Luiz Gustavo da Cruz dos Santos, o qual foi sugado por um bueiro que estava aberto, causando-lhe a morte. Sustenta que a condenação em casos desta natureza deve ser, no mínimo, em trezentos salários mínimos para cada um dos litigantes, em razão do trauma que a família do jovem sofreu e sofrerá com sua ausência.
Pede a reforma da sentença.

Contrarrazões às f. 281/284.

Recurso adesivo apresentado pelo Município de Andirá às f. 287/294, requerendo o reconhecimento da ilegitimidade do Município, visto que a obrigação de manter o local em conservação adequada e segura seria da ALL ­ América Latina Logística, que é a proprietária do local em que ocorreu o acidente. Que o menor não contribuía para a o custeio das necessidades da família, não podendo ser condenado o Município em dano material, fixado em 2/3 do salário mínimo. Alega que a morte, por si só, não presume a perda material. Requer, ainda, a revisão do valor do dano moral.

Resposta ao recurso adesivo às f. 313/318.

A Procuradoria Geral da Justiça não opinou no caso.

É o relatório.

Primeiramente, o Município de Andirá deveria ter apresentado recurso voluntário no que pertine a fixação de dano material, visto que este recurso, por aderir ao principal, não admite inovação. Porém, como a jurisprudência recente tem admitido este tipo de manobra (STJ ­ REsp. 864.579, 2ª Turma), permitindo ao Município, que já dispunha de prazo em dobro, recorrer com novos argumentos, cedo minha irresignação a este entendimento, nada prudente.

Analiso, conjuntamente, o recurso voluntário e o adesivo.

Destaco, de início, que o dever de indenizar decorre do art. 186 do Código Civil combinado com o inciso X, do art. 5º, da Constituição Federal, que assim dispõem:
"Art. 186 - Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito, ou causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito."

"Art. 5º - (...)

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito de indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação."

Para caracterizar o direito à reparação de danos devem concorrer o ato culposo do agente, a lesão causada e o nexo entre os dois primeiros elementos, caracterizadores da responsabilidade civil.

No caso em comento, como os apelantes se insurgiram somente em relação ao valor arbitrado a títulos de danos morais, não se faz necessária a análise da culpa e do nexo causal, os quais já foram devidamente comprovados nos autos e reconhecidos na sentença impugnada.

Para a fixação da indenização por dano moral, inexiste no ordenamento jurídico norma específica para regular o seu quantum, ficando a cargo do Magistrado a tarefa de definir o valor a ser arbitrado, observando as peculiaridades do caso concreto, como as circunstâncias que o envolveram, sua gravidade, a condição pessoal do autor do ilícito e da vítima, não devendo o valor indenizatório servir para enriquecimento sem causa.

Neste contexto, deve o Juiz atender aos critérios de proporcionalidade e razoabilidade na apuração do valor, observadas as condições do ofendido e do bem jurídico lesado, não podendo a indenização constituir fonte de
enriquecimento, nem tampouco ser de valor inexpressivo a impedir a compensação do sofrimento provocado pela ofensa.

Neste sentido, tem-se decidido:

"No arbitramento do valor do dano moral é preciso ter em conta o grau em que o prejuízo causado terá influído no ânimo, no sentimento daquele que pleiteia a reparação. A intensidade da culpa. A violência, as circunstâncias em que ocorreu o evento danoso poderão informar o critério a ser adotado em tal arbitramento, árduo e delicado, porque entranhado de subjetividade. (RT 602/180)"

"A indenização por dano moral tem caráter dúplice, pois tanto visa a punição do agente quanto a compensação pela dor sofrida, porém a reparação pecuniária deve guardar relação com o que a vítima poderia proporcionar em vida, ou seja, não pode ser fonte de enriquecimento e tampouco inexpressiva. (RT 742/320)"

No plano doutrinário, o dano moral: "... se trata de prejuízos que não atingem em si o patrimônio, não o fazendo diminuir nem frustrando o seu acréscimo. O patrimônio não é afectado: nem passa a valer menos nem deixa de valer mais". (...) "Há a ofensa de bens de caráter imaterial - desprovidos de conteúdo econômico, insusceptíveis verdadeiramente de avaliação em dinheiro. São bens como a integridade física, a saúde, a correção estética, a liberdade, a reputação. A ofensa objectiva desses bens tem, em regra, um reflexo subjectivo na vítima, traduzido na dor ou sofrimento, de natureza fisica ou de natureza moral". "Violam-se direitos ou interesses materiais, como se se pratica uma lesão corporal ou um atentado à honra: em primeira linha causam-se danos não patrimoniais, v.g., os ferimentos ou a diminuição da reputação, mas em segunda linha podem também causar-se danos patrimoniais, v.g., as despesas de tratamento ou a perda de emprego". (Inocêncio Galvão Telles Direito das Obrigações, Coimbra Editora, 6ª edição, p. 375)." Ou, ainda, conforme lição de Carlos Roberto Gonçalves:

"O dano moral, salvo casos especiais, como o de inadimplemento contratual, por exemplo, em que se faz mister a prova da perturbação da esfera anímica do lesado, dispensa prova em concreto, pois se passa no interior da personalidade e existe in re ipsa. Trata-se de presunção absoluta. Desse modo, não precisa a mãe comprovar que sentiu a morte do filho; ou o agravado em sua honra demonstrar em juízo que sentiu a lesão (...). (Responsabilidade Civil - Saraiva, edição 2003, p. 552-553)"

A sentença fixou o dano moral em R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais), sendo que tal valor será rateado pelos requeridos, cada um respondendo por R$ 12.500,00.

Este valor, contraposto ao que ocorreu ­ morte de um menor de sete anos, é irrisório e não acompanha o que tem sido decidido por esta Câmara e este Tribunal. A perda tem reflexos de toda ordem, tanto moral, que afeta o psicológico, quanto material, voltada para aquilo que o menor deixou de produzir.

A doutrina acima encerra qualquer digressão sobre o tema perda de filho por omissão do Município.

O menor Luiz Gustavo simplesmente brincava em determinado local, ocasião em que estava chovendo, e foi sugado por um bueiro que estava ao céu aberto. Sua inocência não poderia prever o perigo que havia no local, visto que não se espera que omissões comuns como esta ainda existam. A verificação de adequadas condições de habitabilidade de determinado local devem ser presumidas, porquanto os cidadãos, que pagam regularmente o IPTU, taxas, contribuições, etc., esperam do poder público e da iniciativa privada segurança mínima para que as pessoas possam circular com segurança.

Os impostos acima mencionados devem ser convertidos em direitos sociais, previstos no art. 6º da CF, e dentre eles, está a segurança, que em um sentido amplo, refere-se não só a segurança preventiva e repressiva, que é feita pelas Polícias Militar e Civil, mas segurança como forma de garantir sua integridade física e moral.

Desta forma, a indenização de um menor de sete anos deve corresponder a valores mais dignos e esta Câmara assim tem entendido, sobretudo porque a expectativa de vida que os pais de Luiz Gustavo tinham em relação ao filho foram podadas por ineficiência dos governantes locais, quando omissos em fiscalizar as atividades de empresa privada em seu território.

Portanto, o valor do dano moral deve ser elevado para R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais), condenação esta de caráter individual, ou seja, cinqüenta mil para o pai e cinqüenta mil para a mãe, valor que em hipótese alguma servirá para recompor a perda. A única justificativa é para compensar, de alguma maneira, o trágico evento ocorrido.

Esta condenação, por óbvio, deverá ser rateada entre Município e a concessionária ALL.

Refiro-me ao Município, porque no tocante a sua legitimidade, não resta dúvida que tem o dever de fiscalizar atividades de alto risco que são desenvolvidas no seu território.

Observe-se que as provas documentais comprovam que no local, apesar de ser propriedade da ALL, o bueiro estaria aberto há meses e pelo local passam diversos transeuntes, segundo notícia veiculada em jornal local (f. 77), o mesmo ocorrendo às f. 76 e fotografias anexadas à partir da f. 78.

Repita-se que incumbe ao Município o dever de zelar pela segurança do sistema de trânsito e adjacências, como manter bueiros em estado regular de conservação, além de conservação de vias de circulação dentro de seus limites urbanos.

Neste contexto, responde pelos danos físicos, materiais e morais produzidos em particulares, em razão da ausência de regular e eficaz sinalização alertando sobre obras ou perigos iminentes, inclusive em local em que a concessionária de serviço público ALL exerce suas atividades.

O dever de sinalização adequada cabe aos agentes municipais, visto que tal mister se refere à sua função originária, não sendo possível transmitir tal tarefa para terceiros, no caso concessionário de serviço público, que tem treinamento e função diversos, mas que também poderia evitar o ocorrido.

A jurisprudência mais recente e que se adapta ao caso, tem decidido o seguinte:

"APELAÇÕES CÍVEIS. RESPONSABILIDADE CIVIL DO MUNICÍPIO DE CURITIBA E DA COMPANHIA DE SANEAMENTO DO PARANÁ. PRELIMINARES DE NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO QUANTO À MAJORAÇÃO DO VALOR ARBITRADO A TÍTULO DE DANOS MORAIS E DE ILEGITIMIDADE PASSIVA REJEITADAS. DETRITO DEIXADO NA CALÇADA APÓS REALIZAÇÃO DE OBRA PÚBLICA DE SANEAMENTO. QUEDA. NEGLIGÊNCIA. REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS E MATERIAIS. QUANTUM INDENIZATÓRIO MANTIDO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. ADEQUAÇÃO. RECURSOS DA AUTORA E DO MUNICÍPIO DE CURITIBA. DESPROVIMENTO. RECURSO DA COMPANHIA DE SANEAMENTO DO PARANÁ - SANEPAR. PROVIMENTO PARCIAL. (TJPR - AC 594.977-9, 2ª CC, Rel. Des. Cunha Ribas - Unânime - J. 17.11.2009)"

"INDENIZAÇÃO - DANOS MATERIAIS E MORAIS - Queda de munícipe quando trafegava com motocicleta em via pública - Buraco aberto por autarquia (SAAE) - Responsabilidade solidária desta última e do Município, dada a ausência de sinalização e fiscalização por agentes municipais - Negligência reconhecida - Lesão física comprovada - Existência de nexo de causalidade que conduz ao dever de indenizar - Pretensão de indenização dos danos morais - Ausência de prova que torna indevido o dever de indenizar - Aplicação da Lei n. 11.960/09 - Ação ajuizada antes de seu advento - Não cabimento - Procedência parcial da ação corretamente pronunciada em primeiro grau - Apelos da autora e da Municipalidade improvidos. (TJSP - Apelação 990101290707, 8ª Câmara de Direito Público, Relatora Desª Silvia Meirelles, j. em 05.05.2010)"

"ACIDENTE DE TRÂNSITO. Indenização. Buraco na via pública. Alegação de ilegitimidade da Prefeitura porque o buraco fora provocado pela Sabesp. Irrelevância Dever do Município manter as vias públicas em boas condições de conservação e de fiscalizar os serviços das concessionárias. Para o direito do autor pouco importa quem tenha feito o buraco ou deixado de consertá-lo. Hipótese de responsabilidade objetiva. Estragos ao veículo compatíveis com impacto contra algum obstáculo na via pública Sem controvérsia quanto ao valor dos danos Recurso não provido. (TJSP - Apelação 994060725655, 12ª Câmara de Direito Público, Relator Des. Edson Ferreira, j. em 10.02.2010)"

"RESPONSABILIDADE CIVIL - Queda em via Pública - Extinção sem julgamento do mérito, por ilegitimidade passiva da Prefeitura Municipal de São Paulo - Dever do Município em fiscalizar a realização de obra de permissionário e de conservação dos logradouros, calçadas e ruas - Extinção afastada - Art. 515, §3°, do CPC - Recurso parcialmente provido. É responsável a Prefeitura Municipal solidariamente pelos atos de seu permissionário que não recompõe o passeio público, deixando-o na condição original, após execução de obra de expansão de telefonia RESPONSABILIDADE CIVIL - Queda em via Pública - Permissionária de uso temporário - Dever de recompor as calçadas e sarjetas ao anterior estado - Sentença de improcedência reformada - Recurso parcialmente provido. É responsável a empresa-permissionária quando não recompõe o passeio público, deixando-o na condição original, após execução de obra de expansão de telefonia. (TJSP - Apelação 994071680517 (6309065200), 11ª Câmara de Direito Público, Relator Des. Luis Ganzerla, j. em 08.02.2010)"

Rejeita-se, portanto, a tese de ilegitimidade passiva desenvolvida no recurso adesivo.

Por fim, quanto ao dano material, equivocado o recurso do Município mais uma vez, visto que: "A morte do filho menor em acidente, mesmo que à data do óbito ainda não exercesse atividade laboral remunerada, autoriza os pais, quando de baixa renda, a pedir ao responsável pelo sinistro a indenização por danos materiais, resultantes do auxílio que futuramente o filho poderia prestar-lhes. (...) (STJ ­ Resp. 555.036/MT, 3ª Turma, rel. Min. Castro Meira)" Portanto, como o caso é de pais de baixa renda, ela exercendo suas atividades como trabalhadora rural (f. 18) e ele igualmente (f. 20) evidente que o ônus da prova contrária é do Município, que nada provou.

Ante o exposto, voto pelo provimento em parte do recurso de Adriana Aparecida da Silva e Reginaldo da Cruz dos Santos, para majorar o dano moral em R$ 35.000,00 para cada um, mantida a forma de correção e juros e negar provimento ao recurso adesivo, mantida a sentença em sede de reexame, inclusive no tocante ao ônus de sucumbência.

Acordam os membros integrantes da 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça, por unanimidade de votos, em dar provimento em parte ao recurso de Adriana Aparecida da Silva e Reginaldo da Cruz dos Santos e negar provimento ao recurso adesivo do Município de Andirá, mantendo, no mais, a sentença em sede de reexame.

Presidiu o julgamento o Desembargador Idevan Lopes, sem voto, e dele participaram a Desembargadora Dulce Maria Cecconi e o Desembargador Ruy Cunha Sobrinho.

Curitiba, 21 de setembro de 2010.

Fernando César Zeni Juiz Substituto em 2º Grau

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