(EMAGIS) Sobre os bens públicos, os serviços públicos e a
intervenção do Estado na propriedade, assinale a alternativa correta.
(A) Quando irregularmente ocupado o bem público, não há que
se falar em direito de retenção pelas benfeitorias realizadas, tampouco em
direito a indenização pelas acessões, exceto se tenham sido realizadas de
boa-fé.
(B) Em ação possessória entre particulares, não é cabível o
oferecimento de oposição pelo ente público na qual alegado incidentalmente o
domínio do bem imóvel cuja posse é debatida na possessória, sem prejuízo, se
for o caso, do ajuizamento de ação autônoma.
(C) Não se admite, por ato da própria concessionária, o
corte no fornecimento do serviço público de água encanada em relação a pessoas
jurídicas de direito público, ainda que configurada a situação de
inadimplência.
(D) Na desapropriação, direta ou indireta, a taxa dos juros
compensatórios é de 12% (doze por cento) ao ano.
(E) De acordo com o STJ, é possível a desistência da
desapropriação, a qualquer tempo, mesmo após o trânsito em julgado, desde que
ainda não tenha havido o pagamento integral do preço e o imóvel possa ser
devolvido sem alteração substancial que impeça que seja utilizado como antes,
sendo ônus do expropriado provar a existência de fato impeditivo do direito de
desistência da desapropriação.
Letra (A): incorreta. Outro é o entendimento sufragado pelos
Tribunais Superiores, consoante bem elucida, por todos, o seguinte precedente:
“Quando irregularmente ocupado o bem público, não há que
se falar em direito de retenção pelas benfeitorias realizadas, tampouco em
direito a indenização pelas acessões, ainda que as benfeitorias tenham sido
realizadas de boa-fé. Isso porque nesta hipótese não há posse, mas mera
detenção, de natureza precária.” AgRg no REsp 1.470.182-RN, Rel. Min. Mauro
Campbell Marques, julgado em 4/11/2014. (2ª Turma)
Letra (B): incorreta. A Corte Especial do STJ pacificou o
tema, adotando linha oposta àquela exposta na assertiva:
"Em ação possessória entre particulares é cabível o
oferecimento de oposição pelo ente público, alegando-se incidentalmente o
domínio de bem imóvel como meio de demonstração da posse. Inicialmente cumpre
salientar que o acórdão embargado entendeu que "em Ação Possessória não se
admite oposição, mesmo que se trate de bem público, porque naquela discute-se a
posse do imóvel e nesta, o domínio". Já o acórdão paradigma "entendeu
ser possível a oposição por entre público quando pende demanda possessória
entre particulares, na medida em que o fundamento da oposição é a posse do
Estado sobre o imóvel, sendo a discussão sobre o domínio apenas incidental
quando se trata de bem público". Sobre o tema, a interpretação literal do
art. 923 do CPC/1973 (atual art. 557 do CPC/2015) no sentido de que, pendente
ação possessória, é vedada discussão fundada no domínio parece, ao menos em
certa medida, conflitar com a garantia constitucional de acesso à justiça (art.
5º, XXXV, da Constituição da República). Efetivamente, não se poderia conceber
que o Poder Público, sendo titular do direito de exercício da posse sobre bem
público, possa ser impedido de postular em juízo a observância do direito,
simplesmente pelo fato de que particulares se anteciparam a - entre eles -
discutirem a posse. Com o fim de se encontrar para os dispositivos legais
supramencionado uma interpretação que não conflite com garantias
constitucionais, é preciso compreender de forma restrita, não ampliativa a
proibição do art. 923 do CPC/1973 de se "propor ação de reconhecimento do
domínio". Não há proibição em tal preceito normativo de se alegar
incidentalmente o domínio em demanda possessória. É certo que a oposição tem
natureza jurídica de ação, de modo que se poderia argumentar que o ajuizamento
de oposição em demanda possessória consistiria precisamente na proibição
formulada no art. 923 do CPC/1973. Contudo, não se pode admitir que a
literalidade do referido preceito legal possa inviabilizar a prestação de
tutela jurisdicional para a defesa da posse de bens públicos pelo titular do
direito material disputado. O fato de a parte não ser titular do domínio não
importa necessariamente a sucumbência na demanda possessória (como decorria da
literalidade do revogado art. 505 do CC/1916). Nos termos do atual art. 1.210,
parágrafo 2º, do CC/2002, a alegação de domínio, embora não garanta por si só a
obtenção de tutela possessória, pode ser formulada incidentalmente com essa
finalidade. (Corte Especial, EREsp 1.134.446-MT, Rel. Min. Benedito Gonçalves,
por unanimidade, julgado em 21/03/2018, DJe 04/04/2018 – Inf. 624 STJ)
Letra (C): incorreta. A jurisprudência do STF pacificou o
entendimento de que é possível o corte no fornecimento em razão do
inadimplemento, ainda que se trate de pessoa jurídica de direito público.
Apenas os serviços essenciais (ex.: escolas e hospitais) é que não poderão
sofrer tal corte. Veja-se, na matéria, este importante leading case:
“Por dívida de quatorze milhões de reais com a companhia
concessionária de água e esgoto, o município teve interrompido o fornecimento
desses serviços em órgãos administrativos, inclusive a própria prefeitura.
(...) Destacou-se que, no caso, o corte desses serviços deverá atingir os
responsáveis pelo inadimplemento com a concessionária de serviço público e,
ainda, que não faria sentido admitir-se o fornecimento gratuito mesmo a um
órgão público, porque ele também tem de cumprir suas obrigações. Ressalvou-se
que se abre exceção apenas para a interrupção de fornecimento de água nos casos
dos hospitais e das escolas públicas (atividades essenciais), a qual necessita
de procedimentos como prévia notificação." AgRg na SS 1.764-PB, Rel.
originário Min. Barros Monteiro, Rel. para acórdão Min. Ari Pargendler, julgado
em 27/11/2008. (Corte Especial)
Letra (D): incorreta. Embora a assertiva reflita o
enunciado da Súmula 618 do STF, tal entendimento foi recentemente superado pelo
plenário do Supremo Tribunal Federal, que, analisando a constitucionalidade do
art. 15-A, caput, do Decreto-Lei 3.365/41, entendeu como compatível com a
Constituição a taxa de juros de 6% ao ano à guisa de juros compensatórios.
Considerando que houve autêntica reviravolta
jurisprudencial, o(a) candidato(a) deve ficar bem atento ao julgado em tela, o
qual colacionamos abaixo:
"O Plenário julgou parcialmente procedente ação
direta de inconstitucionalidade para: i) em relação ao “caput” do art. 15-A (1)
do Decreto-Lei 3.365/1941, por maioria, reconhecer a constitucionalidade do
percentual de juros compensatórios de 6% (seis por cento) ao ano para
remuneração do proprietário pela imissão provisória do ente público na posse de
seu bem; i-a) declarar a inconstitucionalidade do vocábulo “até”; i-b) dar
interpretação conforme a Constituição ao “caput” do dispositivo, de maneira a
incidir juros compensatórios sobre a diferença entre 80% (oitenta por cento) do
preço ofertado em juízo pelo ente público e o valor do bem fixado na sentença;
ii) por maioria, declarar a constitucionalidade dos §§ 1º e 2º (2) do art. 15-A
do Decreto-Lei 3.365/1941; iii) declarar a constitucionalidade do § 3º (3) do
art. 15-A do Decreto-Lei 3.365/1941; iv) por maioria, declarar a
inconstitucionalidade do § 4º (4) do art. 15-A do Decreto-Lei 3.365/1941; (...)
Prevaleceu o voto do ministro Roberto Barroso (relator). O relator destacou
que, na redação original do Decreto-Lei 3.365/1941, não havia qualquer previsão
de pagamento de juros compensatórios nos casos de imissão provisória na posse
do bem expropriado, o que só veio a ocorrer por criação jurisprudencial,
materializada no Enunciado 164 (6) da Súmula do Supremo Tribunal Federal (STF).
A jurisprudência entendeu àquela época que o percentual dos juros
compensatórios deveria ser fixado em 6% ao ano, com base no Código Civil de
1916. Todavia, em momento posterior, o cenário de inflação crônica, a perda do
poder aquisitivo da moeda, sem que existissem mecanismos de correção monetária,
e a excessiva demora dos processos de desapropriação, levaram o STF a firmar
jurisprudência segundo a qual os juros devidos seriam fixados em 12% ao ano
[Enunciado 618 (7) da Súmula do STF]. Editada a MP 1.577/1997, o Decreto-Lei
3.365/1941 passou a prever juros compensatórios fixados em até 6% ao ano, numa
ponderação entre a justa indenização devida e os legítimos interesses da
Administração Pública. Assim, foi superado o entendimento jurisprudencial fixado
pelo STF. Entretanto, a utilização do termo “até” para a fixação da taxa de
juros a ser aplicada nos casos de imissão provisória na posse cria insegurança
jurídica e institui regime de discricionariedade injustificado, a ensejar
vulneração ao mandamento constitucional da justa indenização. Outrossim, o
relator manteve a orientação firmada quando da apreciação da medida cautelar
anteriormente deferida na presente ação direta, no sentido de dar interpretação
conforme a Constituição ao "caput" do art. 15-A de modo a entender
que a base de cálculo dos juros compensatórios será a diferença eventualmente
apurada entre 80% do preço ofertado em juízo e o valor do bem fixado na
sentença. Isso para que não se restasse vulnerado o princípio constitucional do
prévio e justo preço. Quanto aos §§ 1º e 2º do art. 15-A do Decreto-Lei
3.365/1941, prevaleceu o voto do ministro Alexandre de Moraes no sentido da sua
constitucionalidade. Segundo seu entendimento, os dispositivos em questão não
violam o direito de propriedade ou vulneram o caráter justo da indenização.
Isso porque os juros compensatórios destinam-se a compensar tão somente a perda
de renda comprovadamente sofrida pelo proprietário. A perda da propriedade é
compensada pelo valor principal, pela correção monetária e pelos juros
moratórios. Assim, a criação jurisprudencial que tentava resolver o grave
problema inflacionário foi superada, de forma razoável, pela lei. Já em relação
ao § 4º do referido dispositivo, prevaleceu o entendimento exposto pelo relator
no sentido de sua inconstitucionalidade em razão do seu conflito com a
exigência constitucional de justa indenização [CF, art. 5º, XXIV (8)] e com o
direito fundamental de propriedade [CF, art. 5º, XXII (9)]. (...)" ADI
2332/DF, rel. Min. Roberto Barroso, julgamento em 17.5.2018. (ADI-2332)
Letra (E): CORRETA. É esse, deveras, o entendimento
sedimentado pelo STJ:
"É ônus do expropriado provar a existência de fato
impeditivo do direito de desistência da desapropriação. (...) a jurisprudência
do STJ consolidou-se no sentido de que é possível a desistência da
desapropriação, a qualquer tempo, mesmo após o trânsito em julgado, desde que
ainda não tenha havido o pagamento integral do preço e o imóvel possa ser
devolvido sem alteração substancial que impeça que seja utilizado como antes. O
raciocínio é o de que, se a desapropriação se faz por utilidade pública ou
interesse social, uma vez que o imóvel já não se mostre indispensável para o
atingimento dessas finalidades, deve ser, em regra, possível a desistência da desapropriação,
com a ressalva do direito do atingido à ação de perdas e danos. (...) inverter
o ônus da prova e
m detrimento do ente público viola a cláusula do devido
processo legal, estabelecida no art. 5º, LIV, da Constituição." REsp
1.368.773-MS, Rel. Min. Og Fernandes, Rel. para acórdão Min. Herman Benjamin,
por maioria, julgado em 6/12/2016, DJe 2/2/2017.
Gabarito: (E).