sábado, 24 de agosto de 2019

Propomos, hoje, a resolução de uma das questões do nosso curso intensivo para a 1ª fase do concurso para juiz substituto do TJ/BA, assim redigida:


 
(EMAGIS) Sobre os bens públicos, os serviços públicos e a intervenção do Estado na propriedade, assinale a alternativa correta.
(A) Quando irregularmente ocupado o bem público, não há que se falar em direito de retenção pelas benfeitorias realizadas, tampouco em direito a indenização pelas acessões, exceto se tenham sido realizadas de boa-fé.
(B) Em ação possessória entre particulares, não é cabível o oferecimento de oposição pelo ente público na qual alegado incidentalmente o domínio do bem imóvel cuja posse é debatida na possessória, sem prejuízo, se for o caso, do ajuizamento de ação autônoma.
(C) Não se admite, por ato da própria concessionária, o corte no fornecimento do serviço público de água encanada em relação a pessoas jurídicas de direito público, ainda que configurada a situação de inadimplência.
(D) Na desapropriação, direta ou indireta, a taxa dos juros compensatórios é de 12% (doze por cento) ao ano.
(E) De acordo com o STJ, é possível a desistência da desapropriação, a qualquer tempo, mesmo após o trânsito em julgado, desde que ainda não tenha havido o pagamento integral do preço e o imóvel possa ser devolvido sem alteração substancial que impeça que seja utilizado como antes, sendo ônus do expropriado provar a existência de fato impeditivo do direito de desistência da desapropriação.

Letra (A): incorreta. Outro é o entendimento sufragado pelos Tribunais Superiores, consoante bem elucida, por todos, o seguinte precedente:

“Quando irregularmente ocupado o bem público, não há que se falar em direito de retenção pelas benfeitorias realizadas, tampouco em direito a indenização pelas acessões, ainda que as benfeitorias tenham sido realizadas de boa-fé. Isso porque nesta hipótese não há posse, mas mera detenção, de natureza precária.” AgRg no REsp 1.470.182-RN, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 4/11/2014. (2ª Turma)

Letra (B): incorreta. A Corte Especial do STJ pacificou o tema, adotando linha oposta àquela exposta na assertiva:

"Em ação possessória entre particulares é cabível o oferecimento de oposição pelo ente público, alegando-se incidentalmente o domínio de bem imóvel como meio de demonstração da posse. Inicialmente cumpre salientar que o acórdão embargado entendeu que "em Ação Possessória não se admite oposição, mesmo que se trate de bem público, porque naquela discute-se a posse do imóvel e nesta, o domínio". Já o acórdão paradigma "entendeu ser possível a oposição por entre público quando pende demanda possessória entre particulares, na medida em que o fundamento da oposição é a posse do Estado sobre o imóvel, sendo a discussão sobre o domínio apenas incidental quando se trata de bem público". Sobre o tema, a interpretação literal do art. 923 do CPC/1973 (atual art. 557 do CPC/2015) no sentido de que, pendente ação possessória, é vedada discussão fundada no domínio parece, ao menos em certa medida, conflitar com a garantia constitucional de acesso à justiça (art. 5º, XXXV, da Constituição da República). Efetivamente, não se poderia conceber que o Poder Público, sendo titular do direito de exercício da posse sobre bem público, possa ser impedido de postular em juízo a observância do direito, simplesmente pelo fato de que particulares se anteciparam a - entre eles - discutirem a posse. Com o fim de se encontrar para os dispositivos legais supramencionado uma interpretação que não conflite com garantias constitucionais, é preciso compreender de forma restrita, não ampliativa a proibição do art. 923 do CPC/1973 de se "propor ação de reconhecimento do domínio". Não há proibição em tal preceito normativo de se alegar incidentalmente o domínio em demanda possessória. É certo que a oposição tem natureza jurídica de ação, de modo que se poderia argumentar que o ajuizamento de oposição em demanda possessória consistiria precisamente na proibição formulada no art. 923 do CPC/1973. Contudo, não se pode admitir que a literalidade do referido preceito legal possa inviabilizar a prestação de tutela jurisdicional para a defesa da posse de bens públicos pelo titular do direito material disputado. O fato de a parte não ser titular do domínio não importa necessariamente a sucumbência na demanda possessória (como decorria da literalidade do revogado art. 505 do CC/1916). Nos termos do atual art. 1.210, parágrafo 2º, do CC/2002, a alegação de domínio, embora não garanta por si só a obtenção de tutela possessória, pode ser formulada incidentalmente com essa finalidade. (Corte Especial, EREsp 1.134.446-MT, Rel. Min. Benedito Gonçalves, por unanimidade, julgado em 21/03/2018, DJe 04/04/2018 – Inf. 624 STJ)

Letra (C): incorreta. A jurisprudência do STF pacificou o entendimento de que é possível o corte no fornecimento em razão do inadimplemento, ainda que se trate de pessoa jurídica de direito público. Apenas os serviços essenciais (ex.: escolas e hospitais) é que não poderão sofrer tal corte. Veja-se, na matéria, este importante leading case:

“Por dívida de quatorze milhões de reais com a companhia concessionária de água e esgoto, o município teve interrompido o fornecimento desses serviços em órgãos administrativos, inclusive a própria prefeitura. (...) Destacou-se que, no caso, o corte desses serviços deverá atingir os responsáveis pelo inadimplemento com a concessionária de serviço público e, ainda, que não faria sentido admitir-se o fornecimento gratuito mesmo a um órgão público, porque ele também tem de cumprir suas obrigações. Ressalvou-se que se abre exceção apenas para a interrupção de fornecimento de água nos casos dos hospitais e das escolas públicas (atividades essenciais), a qual necessita de procedimentos como prévia notificação." AgRg na SS 1.764-PB, Rel. originário Min. Barros Monteiro, Rel. para acórdão Min. Ari Pargendler, julgado em 27/11/2008. (Corte Especial)

Letra (D): incorreta. Embora a assertiva reflita o enunciado da Súmula 618 do STF, tal entendimento foi recentemente superado pelo plenário do Supremo Tribunal Federal, que, analisando a constitucionalidade do art. 15-A, caput, do Decreto-Lei 3.365/41, entendeu como compatível com a Constituição a taxa de juros de 6% ao ano à guisa de juros compensatórios.

Considerando que houve autêntica reviravolta jurisprudencial, o(a) candidato(a) deve ficar bem atento ao julgado em tela, o qual colacionamos abaixo:

"O Plenário julgou parcialmente procedente ação direta de inconstitucionalidade para: i) em relação ao “caput” do art. 15-A (1) do Decreto-Lei 3.365/1941, por maioria, reconhecer a constitucionalidade do percentual de juros compensatórios de 6% (seis por cento) ao ano para remuneração do proprietário pela imissão provisória do ente público na posse de seu bem; i-a) declarar a inconstitucionalidade do vocábulo “até”; i-b) dar interpretação conforme a Constituição ao “caput” do dispositivo, de maneira a incidir juros compensatórios sobre a diferença entre 80% (oitenta por cento) do preço ofertado em juízo pelo ente público e o valor do bem fixado na sentença; ii) por maioria, declarar a constitucionalidade dos §§ 1º e 2º (2) do art. 15-A do Decreto-Lei 3.365/1941; iii) declarar a constitucionalidade do § 3º (3) do art. 15-A do Decreto-Lei 3.365/1941; iv) por maioria, declarar a inconstitucionalidade do § 4º (4) do art. 15-A do Decreto-Lei 3.365/1941; (...) Prevaleceu o voto do ministro Roberto Barroso (relator). O relator destacou que, na redação original do Decreto-Lei 3.365/1941, não havia qualquer previsão de pagamento de juros compensatórios nos casos de imissão provisória na posse do bem expropriado, o que só veio a ocorrer por criação jurisprudencial, materializada no Enunciado 164 (6) da Súmula do Supremo Tribunal Federal (STF). A jurisprudência entendeu àquela época que o percentual dos juros compensatórios deveria ser fixado em 6% ao ano, com base no Código Civil de 1916. Todavia, em momento posterior, o cenário de inflação crônica, a perda do poder aquisitivo da moeda, sem que existissem mecanismos de correção monetária, e a excessiva demora dos processos de desapropriação, levaram o STF a firmar jurisprudência segundo a qual os juros devidos seriam fixados em 12% ao ano [Enunciado 618 (7) da Súmula do STF]. Editada a MP 1.577/1997, o Decreto-Lei 3.365/1941 passou a prever juros compensatórios fixados em até 6% ao ano, numa ponderação entre a justa indenização devida e os legítimos interesses da Administração Pública. Assim, foi superado o entendimento jurisprudencial fixado pelo STF. Entretanto, a utilização do termo “até” para a fixação da taxa de juros a ser aplicada nos casos de imissão provisória na posse cria insegurança jurídica e institui regime de discricionariedade injustificado, a ensejar vulneração ao mandamento constitucional da justa indenização. Outrossim, o relator manteve a orientação firmada quando da apreciação da medida cautelar anteriormente deferida na presente ação direta, no sentido de dar interpretação conforme a Constituição ao "caput" do art. 15-A de modo a entender que a base de cálculo dos juros compensatórios será a diferença eventualmente apurada entre 80% do preço ofertado em juízo e o valor do bem fixado na sentença. Isso para que não se restasse vulnerado o princípio constitucional do prévio e justo preço. Quanto aos §§ 1º e 2º do art. 15-A do Decreto-Lei 3.365/1941, prevaleceu o voto do ministro Alexandre de Moraes no sentido da sua constitucionalidade. Segundo seu entendimento, os dispositivos em questão não violam o direito de propriedade ou vulneram o caráter justo da indenização. Isso porque os juros compensatórios destinam-se a compensar tão somente a perda de renda comprovadamente sofrida pelo proprietário. A perda da propriedade é compensada pelo valor principal, pela correção monetária e pelos juros moratórios. Assim, a criação jurisprudencial que tentava resolver o grave problema inflacionário foi superada, de forma razoável, pela lei. Já em relação ao § 4º do referido dispositivo, prevaleceu o entendimento exposto pelo relator no sentido de sua inconstitucionalidade em razão do seu conflito com a exigência constitucional de justa indenização [CF, art. 5º, XXIV (8)] e com o direito fundamental de propriedade [CF, art. 5º, XXII (9)]. (...)" ADI 2332/DF, rel. Min. Roberto Barroso, julgamento em 17.5.2018. (ADI-2332)

Letra (E): CORRETA. É esse, deveras, o entendimento sedimentado pelo STJ:

"É ônus do expropriado provar a existência de fato impeditivo do direito de desistência da desapropriação. (...) a jurisprudência do STJ consolidou-se no sentido de que é possível a desistência da desapropriação, a qualquer tempo, mesmo após o trânsito em julgado, desde que ainda não tenha havido o pagamento integral do preço e o imóvel possa ser devolvido sem alteração substancial que impeça que seja utilizado como antes. O raciocínio é o de que, se a desapropriação se faz por utilidade pública ou interesse social, uma vez que o imóvel já não se mostre indispensável para o atingimento dessas finalidades, deve ser, em regra, possível a desistência da desapropriação, com a ressalva do direito do atingido à ação de perdas e danos. (...) inverter o ônus da prova e

m detrimento do ente público viola a cláusula do devido processo legal, estabelecida no art. 5º, LIV, da Constituição." REsp 1.368.773-MS, Rel. Min. Og Fernandes, Rel. para acórdão Min. Herman Benjamin, por maioria, julgado em 6/12/2016, DJe 2/2/2017.

Gabarito: (E).


sexta-feira, 23 de agosto de 2019

Danos causados por agente público: ação de indenização e legitimidade passiva


A teor do disposto no art. 37, § 6º, da Constituição Federal (CF) (1), a ação por danos causados por agente público deve ser ajuizada contra o Estado ou a pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público, sendo parte ilegítima para a ação o autor do ato, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Com fundamento nessa tese de repercussão geral (Tema 940), o Plenário deu provimento a recurso extraordinário para assentar a ilegitimidade passiva da recorrente.

Na espécie, tratava-se de recurso extraordinário interposto por agente público em face de acórdão no qual o tribunal de origem consignou caber à vítima do dano escolher contra quem propor ação indenizatória.

O colegiado asseverou que o aludido dispositivo constitucional não encerra legitimação concorrente. Assim, a pessoa jurídica de direito público e a de direito privado prestadora de serviços públicos respondem pelos danos causados a terceiros, considerado ato omissivo ou comissivo de seus agentes.

(1) CF/1988: “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (...) § 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.”

quarta-feira, 21 de agosto de 2019

Privatização do controle das empresas estatais exige lei conforme a Constituição


2 de julho de 2018, 13h59

Por Heleno Taveira Torres e Élida Graziane Pinto

Dentre as grandes questões em curso no país, tem-se aberto o debate sobre as privatizações do controle societário de empresas estatais e suas subsidiárias, à semelhança do que se viu com a Lei 9.491/97, que instalou o Programa Nacional de Desestatização, com a diferença de que, no momento, não se tem uma lei-quadro que regule, à exaustão, todos os aspectos relativos às condições e procedimentos a serem adotados. A Lei 13.303/2016, que introduziu o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias, não tem natureza de norma suplementar ou sucessora da Lei 9.491/97. Somente desse fato já decorre notável insegurança jurídica para os envolvidos.

Recentemente, por meio de liminar do ministro Ricardo Lewandowski, o Supremo Tribunal Federal suspendeu as privatizações das empresas estatais e suas subsidiárias, por interpretação conforme a Constituição do artigo 29, XVIII, da Lei 13.303/2016, que assim prevê: “É dispensável a realização de licitação por empresas públicas e sociedades de economia mista: XVIII – na compra e venda de ações, de títulos de crédito e de dívida e de bens que produzam ou comercializem”. Entendemos que a medida procede, pois não há clareza sobre se essa regra confere efetivos poderes para alienar inclusive o “controle acionário” das referidas entidades, na forma de amplo programa de desestatização, o que não poderia fugir ao dever de autorização legislativa expressa.

No Brasil, o controle de inconstitucionalidades é feito a posteriori, pelo Poder Judiciário — em particular, pelo STF. Por isso, incorreria em grave insegurança jurídica prosseguir num programa de tamanha afetação ao patrimônio público, com alienação de empresas sobremodo relevantes, como são as de geração ou de comercialização de energia elétrica, mediante lei de duvidosa conformidade com o texto constitucional, que não se submeteu a ação declaratória de constitucionalidade, e mormente quando a mesma lei seja objeto de ação direta de inconstitucionalidade (ADI 5.624).

Provocado o Judiciário, nesta hipótese, a urgência se impõe por cautela. Algo vai muito mal quando o atropelo é defendido a pretexto de urgência que desborda do rito ordinário de planejamento e diálogo interinstitucional. Por isso, o próprio relator usou convocar audiência pública para debater com os atores envolvidos as repercussões jurídicas do programa.

Diante do regime de proteção do patrimônio público na Constituição, é inconteste a insuficiência da autorização legislativa do artigo 29, XVIII, da Lei 13.303/2016 para conferir poderes de alienação de controles acionários de toda e qualquer empresa pública, como se está a ver no caso concreto.

E não se diga que o regime constitucional da propriedade de empresas estatais é dotado de normas genéricas ou vagas. No Brasil, pode-se falar numa verdadeira “constituição financeira”, pelo conjunto de normas e princípios jurídicos que definem o limite do legislador ou da administração pública na gestão dos bens e direitos públicos, como expressão dos princípios de soberania e de república, o que acompanha aqueles que regem as relações entre o Estado e a ordem econômica.

De início, o artigo 23, I da Constituição prescreve ser “competência comum” da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios zelar pela guarda da Constituição, das leis e das instituições democráticas e “conservar o patrimônio público”. Destarte, a Constituição privilegia a “conservação” do patrimônio público como regra de competência geral.

As empresas estatais ou suas subsidiárias, receberam, no artigo 173, tratamento próprio para determinar os imperativos da “segurança nacional” ou de “relevante interesse coletivo” como requisitos de sua manutenção e continuidade. E o parágrafo 1º, III do referido artigo estatui que a lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias para dispor sobre licitação e contratação de obras, serviços, compras e alienações, observados os princípios da administração pública.

Ao mais, o artigo 37, XXI estabelece que, ressalvados os casos especificados na legislação, as alienações serão contratadas sempre mediante processo de licitação pública. E o artigo 165, parágrafo 5º, II prevê que a lei orçamentária anual compreenderá o orçamento de investimento das empresas em que a União, direta ou indiretamente, detenha a maioria do capital social com direito a voto. Logo, qualquer alienação impacta o orçamento público, e daí a necessidade de manifestação direta do Congresso sobre a respectiva empresa ou subsidiária alienada.

Quanto ao destino dos ganhos obtidos, vale lembrar do artigo 81 do ADCT, segundo o qual os “recursos recebidos pela União em decorrência da desestatização de sociedades de economia mista ou empresas públicas por ela controladas, direta ou indiretamente”, devem ser destinados ao Fundo de Combate e Erradicação de Pobreza, quando a operação envolver a alienação do respectivo controle acionário a pessoa ou entidade não integrante da administração pública, ou de participação societária remanescente após a alienação, com rendimentos, gerados a partir de 18 de junho de 2002. Esse fundo foi renovado indefinidamente pela Emenda Constitucional 67/2010.

Ora, é induvidoso que o texto vago e lacônico do artigo 29, XVIII, da Lei 13.303/2016 não é suficiente para cumprir todas as exigências dessas disposições constitucionais. Logo, na ausência de lei especial que regule todos os contornos de qualquer privatização, deve prevalecer o artigo 17, I da Lei 8.666/93, que é a lei geral de contratos administrativos, a qual exigirá necessariamente o processo de licitação, a prova da necessidade pública e a apuração do valor.

Deveras, não se pode alienar controle societário de empresas estatais e suas subsidiárias como se fora venda residual de legumes e frutas em fim de feira[1]. O dever de licitação, pois, encontra-se igualmente mantido. A partir de uma leitura sistêmica das normas do Direito Financeiro, urge ainda maior cautela e vigilância quanto ao regime jurídico que se aplica às contas públicas no final de mandato.

A Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101/2000), a Lei dos Crimes Fiscais (Lei 10.028/2000) e a Lei das Eleições (Lei 9.504/1997) trazem algumas balizas interessantes para a reflexão da matéria. Nos últimos meses de mandato, é vedado contrair obrigações de despesa que não possam ser cumpridas integralmente dentro dele ou não tenham cobertura financeira para quitação posterior, tampouco se pode majorar remuneração de pessoal ou realizar transferências voluntárias aos entes subnacionais. Tais exemplos de condutas vedadas (algumas delas crimes) não são meras regras isoladas, porque se encontram providas de forte orientação pedagógica e principiológica que clamam por nossa reflexão sistêmica: em final de mandato impõe-se maior rigor com o legado a ser deixado para o próximo ciclo político-democrático.

Obviamente esse legado não se refere apenas ao saldo de despesas ou de endividamento, uma vez que a gestão das contas dessas empresas estatais necessariamente também passa pela gestão das renúncias de receitas[2] e do patrimônio público disponível. Quem está na iminência de sair não pode adotar a tática de terra arrasada, tampouco pode adotar discurso de urgência para invocar regime de exceção em face das balizas constitucionais e legais aplicáveis.

Na ADI 5.624, o que está em jogo (até para aproveitar o embalo da Copa) não é apenas a exigência de lei autorizativa específica e a realização do pertinente certame licitatório mediante avaliação prévia dos ativos em horizonte temporal minimamente adequado quanto ao potencial de arrecadação futura.

Nuclear aqui é o questionamento acerca da própria deliberação democrática equitativa entre meios e fins de que o Estado dispõe para cumprir as finalidades constitucionais que lhe foram atribuídas. Em artigo[3] publicado na Folha de S.Paulo, o ministro Lewandowski assim nos alerta sobre as preocupações que o tema enseja:

“A transferência do controle desses recursos a estrangeiros ou mesmo a nacionais, sem garantias sólidas de que sejam rigorosamente empregados em prol do interesse coletivo, acaba por minar os próprios fundamentos da soberania, não raro de forma irreversível.

Internacionalizar ou privatizar ativos estratégicos não se reduz apenas a uma mera opção governamental, de caráter contingente, ditada por escolhas circunstanciais de ordem pragmática. Constitui uma decisão que se projeta no tempo, configurando verdadeira política de Estado, a qual, por isso mesmo, deve ser precedida de muita reflexão e amplo debate, pois suas consequências têm o condão de afetar o bem-estar das gerações presentes e até a própria sobrevivência das vindouras”.

Sabemos que na agenda iminente do governo está a privatização da Eletrobras, dentre outras empresas estatais. O tema é polêmico. É bem verdade que o conceito de serviço público a que se refere o artigo 175 da Constituição tem sido revisitado e até mesmo bastante reduzido por parcela da doutrina, até mesmo quanto à sua continuidade, universalidade, modicidade tarifária e atualidade tecnológica, mas ninguém duvida que a energia elétrica prossiga como algo estrutural para a vida e para o desenvolvimento econômico do país.

A cerca de seis meses do final de mandato, a cautela com a alienação de bens e empresas estatais deve ser redobrada, sobretudo quanto ao devido processo legal que informa a matéria. Como bem assinalado pelo ministro Ricardo Lewandowski, na cautelar concedida na ADI 5.624, a saber:

“Ainda que a eventual decisão do Estado de deixar de explorar diretamente determinada atividade econômica, constante do art. 173 da Constituição Federal, seja uma prerrogativa do governante do momento, não se pode deixar de levar em consideração que os processos de desestatização são conformados por procedimentos peculiares, dentre os quais, ao menos numa primeira análise do tema, encontra-se a manifestação autorizativa do Parlamento”.

De fato, esta é uma questão de direito intergeracional e envolve inúmeros fatores políticos e econômicos de expressiva monta.

Deveras, tanto o artigo 29, XVIII da Lei 13.303/2016 quanto o artigo 1º, parágrafo 3º do Decreto 9.188/2017[4] trouxeram evidente insegurança jurídica a pretexto de flexibilização do regime jurídico de alienação de ações das empresas estatais e suas subsidiárias. Foram erigidas genericamente as redações de tais dispositivos para conferir discricionariedade que, na prática, resvala rapidamente para o risco de atropelo arbitrário. Daí porque se suspeita ser carecedora de interpretação conforme com a Constituição, tal como decidido cautelarmente pelo STF, a autorização da alienação total de ativos das empresas estatais, sobretudo no que se refere ao patrimônio físico, direitos e participações mobiliárias, diretas ou indiretas, das sociedades subsidiárias e controladas de sociedades de economia mista.

Ora, no caso do Decreto 9.188/2017, a pretexto de “estabelece[r] regras de governança, transparência e boas práticas de mercado para a adoção de regime especial de desinvestimento de ativos pelas sociedades de economia mista federais”, resta permitir que tais entidades da administração indireta promovam estratégias de transferência para terceiros do domínio de todas “as unidades operacionais e os estabelecimentos integrantes do seu patrimônio, os direitos e as participações, diretas ou indiretas, em outras sociedades”. E aqui cabe ênfase no caráter universal da medida, em tudo preocupante.

O nível da discricionariedade no processo de “desinvestimento” pode colocar em xeque a própria existência da empresa estatal como uma entidade autônoma, sem que tenha havido sua extinção formal por lei. No caso das sociedades de economia mista prestadoras de serviço público, há também o risco de não se ter a adequada avaliação para fins de desafetação dos seus bens móveis e imóveis vinculados à própria continuidade de tais serviços.

Todas essas variáveis indicam sérias dúvidas jurídicas na alienação in totum de ativos das empresas estatais. Os riscos são volumosos diante das balizas previstas em nosso ordenamento, a começar pela indispensável legalidade, suficiente a identificar cada uma das sociedades a terem o controle acionário alienado. A exigência de lei específica na extinção de entidades da administração indireta, ao nosso ver, acompanha o mesmo tratamento previsto para criação, como se encontra inscrita no artigo 37, XIX da Constituição.

Em final de mandato, deve ser redobrada a cautela quanto ao sistema de freios e contrapesos, quanto à gestão intertemporal equilibrada das contas públicas, bem como quanto ao devido processo legal e administrativo (autorização legislativa específica e licitação pertinente). O dever de preservação do legado a ser transferido para o(a) próximo(a) mandatário(a) justifica essas cautelas, até porque são investimentos vinculados ao orçamento anual, como determina a Constituição.

Numa síntese, em louvor aos ditames de proteção do patrimônio público e defesa da Constituição, a urgência da agenda econômica de privatizações deve se acautelar do salutar diálogo com o parlamento. Em contextos que se pretendem democráticos, será sempre significativo elucidar para os interessados os processos de decisão e as opções de conformidade e de integridade normativa e prática, todos atendidos segundo critérios claros e transparentes, conforme a Constituição e dirigidos aos melhores resultados econômicos.

Por isso, em boa hora, a decisão do ministro Ricardo Lewandowski na ADI 5.624 convida a todos para reflexão, evita esforços de oportunidades ou chances perdidas, ao evidenciar forte compromisso com a segurança jurídica, e, precipuamente, contribui para que a nação tome decisões seguras e republicanas sobre os destinos das suas empresas estatais quanto à oportunidade e conveniência da alienação, mas também quanto ao procedimento a ser empregado na venda.

[1] O valor de venda estimado para cada distribuidora é simbólico: R$ 50 mil, como noticiado em https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2017/11/1934039-distribuidoras-da-eletrobras-serao-vendidas-por-r-50-mil-cada.shtml.

[2] O Tribunal de Contas da União questionou a trajetória recente das renúncias fiscais concedidas pelo governo federal, como noticiado em https://www12.senado.leg.br/noticias/audios/2018/06/relatorio-do-tcu-traz-alertas-sobre-teto-de-gastos-e-renuncias-fiscais e http://www.valor.com.br/brasil/5594169/tcu-critica-elevacao-da-renuncia-fiscal-nas-contas-de-2017. Interessante ver o quanto detectado pelo próprio secretário da Receita Federal Jorge Rachid, em sua entrevista publicada neste domingo (1º/7) na Folha de S.Paulo: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2018/06/estado-brasileiro-esta-dando-beneficio-fiscal-ate-para-salmao-e-file-mignon.shtml.

[4] A respeito da discricionariedade abusiva conferida pelo decreto que trouxe o regime especial de “desinvestimento”, ver https://www.conjur.com.br/2017-nov-07/contas-vista-decretos-contingenciamento-desinvestimento-sao-cheques-branco.

O Conselho Federal da OAB aprovou nesta segunda-feira (19/8) norma que estabelece o princípio processual da "não surpresa" nos processos administrativos da instituição.

20 de agosto de 2019


Sede da OAB Federal em Brasília

A medida acrescenta o artigo 144-B no regulamento-geral do Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil. Pela norma, nenhum juiz pode decidir de ofício sem intimação prévia das partes para manifestação sobre as questões envolvidas. 

  • "O princípio da não surpresa já está plasmado no nosso Código de Processo Civil. Entendi que a OAB, que capitaneou essa questão do princípio da não surpresa no CPC, deveria também trazer para dentro de seus processos administrativos a mesma lógica", disse o autor da proposta, conselheiro federal Daniel Blume.


A proposta foi relatada pela conselheira federal Daniela Teixeira, que apontou a importância de pacificar o regulamento: "antes do julgador extinguir o feito obrigatoriamente, deve intimar as duas partes para que falem sobre aquele defeito grave encontrado no processo. Sem dúvida é muito importante para a advocacia trazermos para o nosso regulamento geral aquilo que nós mesmos colocamos no CPC".

Veja abaixo a íntegra do artigo aprovado:

  • Art. 144B. Não se pode decidir, em grau algum de julgamento, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar anteriormente, ainda que se trate de matéria sobre a qual se deva decidir de ofício, salvo quanto às medidas de urgência previstas no Estatuto."


Com informações da Assessoria de Imprensa da OAB.


terça-feira, 20 de agosto de 2019

STF julga constitucional redução de juros compensatórios em desapropriação


No caso de desapropriação por necessidade ou utilidade pública e interesse social ou para fins para reforma agrária, os juros compensatórios devem ser de 6%.


O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quarta-feira (17) que devem ser de 6%, e não mais de 12%, os juros compensatórios incidentes sobre as desapropriações por necessidade ou utilidade pública e interesse social ou para fins de reforma agrária, no caso em que haja imissão prévia na posse pelo Poder Público e divergência entre o preço ofertado em juízo e o valor do bem, fixado em sentença judicial. Por maioria de votos, os ministros julgaram parcialmente procedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 2332, ajuizada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) contra dispositivos da Medida Provisória 2.027-43/2000 e demais reedições, que alterou o Decreto-Lei 3.365/1941, o qual dispõe sobre desapropriações por utilidade pública. Os dispositivos estavam suspensos desde setembro de 2001, em razão de medida liminar concedida pelo Plenário do STF.

De acordo com o relator da ação, ministro Luís Roberto Barroso, a jurisprudência construída pelo próprio STF, que estabeleceu como devidos os juros compensatórios e, posteriormente, fixou o percentual de 12% (Súmulas 164 e 618), justificou-se dentro de uma conjuntura de instabilidade econômica e inflacionária em que, por largo período, sequer havia previsão de correção monetária. Além disso, tais processos de desapropriação duravam décadas sem previsão de correção monetária, mas hoje isso não se justifica, a despeito de a duração de tais processos continuar sendo longa. 

Barroso sustentou que a taxa de juros de 6% é perfeitamente compatível com as aplicações que existem no mercado financeiro. Foi considerada inconstitucional a expressão “até” 6%, ou seja, o percentual não poderá ser inferior a 6%. O relator salientou que a elevação desproporcional do valor final das indenizações dificulta uma política pública de desapropriação e onera programas de reforma agrária, com o enriquecimento sem causa dos expropriados. O relator referiu-se a dados oficiais apresentados no processo pela Advocacia-Geral da União (AGU) que revelam distorções nos processos de desapropriação em razão da incidência de juros compensatórios de 12%. De 2011 a 2016, o Incra gastou R$ 978 milhões com o pagamento desses juros e R$ 555 milhões com as indenizações em si.

Em seu voto, o ministro Barroso afirmou ser constitucional o percentual de juros compensatórios de 6% ao ano para remuneração do proprietário pela imissão provisória do ente público na posse do seu bem, na medida em que consiste em “ponderação legislativa proporcional entre o direito constitucional do proprietário à justa indenização e os princípios constitucionais da eficiência e da economicidade”. Quanto à base de cálculo, foi dada interpretação conforme a Constituição ao caput do artigo 15-A do Decreto-Lei 3.365/1941, de maneira a incidir juros compensatórios sobre a diferença entre 80% do preço ofertado pelo ente público e o valor fixado na sentença judicial. O parágrafo 1º do artigo 27 foi considerado inconstitucional, na parte que estabelecia teto para honorários advocatícios (em R$ 155 mil à época da edição da MP, atualmente corrigidos para R$ 474 mil).

Divergência

Após divergência parcial do relator, aberta pelo ministro Alexandre de Moraes e seguida por seis ministros, foram consideradas constitucionais as restrições à incidência dos juros compensatórios quando não houver comprovação de efetiva perda de renda pelo proprietário com a imissão provisória na posse (artigo 15-A, parágrafo 1º) e quando o imóvel tenha graus de utilização da terra e de eficiência na exploração iguais a zero (parágrafo 2º do mesmo artigo).

O entendimento prevalecente foi o de que os juros compensatórios se destinam apenas a compensar a perda de renda comprovadamente sofrida pelo proprietário. O ministro Barroso havia considerado tais restrições inconstitucionais, mas decidiu reajustar seu voto nesta parte, com ressalva de seu entendimento pessoal, mantendo-se na relatoria do processo. O parágrafo 4ª do artigo 15-A, segundo o qual o Poder Público não pode ser onerado por juros compensatórios relativos a período anterior à aquisição da propriedade ou posse titulada pelo autor da ação, foi considerado inconstitucional.

segunda-feira, 19 de agosto de 2019

Licitação frustrada gera condenação, mesmo sem quantificação do prejuízo financeiro



O crime de frustrar procedimento licitatório prescinde de prejuízo financeiro para justificar a condenação em ação penal. Ao rejeitar pedido de habeas corpus feito por um empresário condenado em primeira instância a dois anos de detenção, os ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) destacaram que o crime previsto no artigo 90 da Lei de Licitações é de consumação antecipada.

No caso, pai e filho participaram de uma carta convite para obras na sede da Câmara de Vereadores de Santa Fé do Araguaia (TO). A empresa do pai foi vencedora de parte do procedimento, fornecendo materiais no valor de R$ 14,7 mil.

O pedido de habeas corpus analisado pelos ministros foi feito pelo filho, um dos condenados na ação proposta pelo Ministério Público do Tocantins (MPTO). Segundo o MP, pai e filho ajustaram a contratação e tiveram benefícios em virtude de a Câmara ter dispensado um procedimento licitatório mais complexo.

Segundo o relator do caso, ministro Ribeiro Dantas, o simples fato de a licitação ter sido frustrada já é crime, sendo desnecessário apurar o valor exato do prejuízo sofrido pelo erário. No caso, o empresário pediu o trancamento da ação penal alegando atipicidade da conduta.

Condenação justificada

O ministro lembrou que em casos assim, o prejuízo financeiro pode ser apurado na fixação da pena, mas a falta dessa quantificação não impede sanções penais em desfavor de quem manipulou a contratação.

“O crime do artigo 90 da Lei 8.666/93 é formal, ou de consumação antecipada, bastando a frustração do caráter competitivo do procedimento licitatório com o mero ajuste, combinação ou outro expediente, constatação que fulmina o argumento da necessidade de prejuízo ao erário, sendo este mero exaurimento do crime, elemento a ser valorado por ocasião da fixação da pena-base”, disse o relator.

Para a defesa, o Ministério Público não comprovou que houve prejuízo na contratação. Segundo afirmou, o orçamento inicial da obra foi de R$ 153 mil, ao passo que a contratação foi de R$ 139 mil, resultando em economia no final do processo.

Dispensa indevida

O limite inferior a R$ 150 mil teria sido usado para justificar a dispensa do procedimento previsto no artigo 23 da Lei de Licitações, que prevê a tomada de preços ou concorrência para obras com valor global acima de R$ 150 mil. No caso analisado, a modalidade utilizada foi a carta convite, direcionada a três participantes, incluindo o pai e filho denunciados, além de um terceiro que não foi contratado.

Para os ministros, há diferença clara entre os crimes previstos nos artigos 89 e 90 da Lei de Licitações. Enquanto a primeira exige a quantificação do dano causado, a segunda visa a adjudicação da obra ou serviço oferecido.
 


“O dolo específico exigido para o crime do artigo 90 é a adjudicação do objeto licitado ou vantagem correlata, não necessariamente o dano ao erário, como prescreve a jurisprudência para o crime do artigo 89, ambos, como se afirmou, da Lei 8.666/93”, resumiu o ministro no voto, que foi acompanhado por unanimidade pela turma.


sexta-feira, 16 de agosto de 2019

STF decide que estabilidade do ADCT não alcança funcionários de fundações públicas de direito privado


Fonte: STF - Supremo Tribunal Federal

O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que a estabilidade especial do artigo 19 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) não se estende aos empregados das fundações públicas de direito privado, devendo ser aplicada somente aos servidores das pessoas jurídicas de direito público. A decisão majoritária foi tomada no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 716378, com repercussão geral reconhecida, que envolveu o caso de um empregado dispensado sem justa causa pela Fundação Padre Anchieta – Centro Paulista de Rádio e TV Educativas.

Prevaleceu no julgamento o voto do relator, presidente do STF, ministro Dias Toffoli, pelo provimento do RE interposto pela Fundação. A decisão do STF reforma acórdão do Tribunal Superior do Trabalho (TST) que havia assegurado ao empregado da entidade a estabilidade do artigo 19 do ADCT. O dispositivo constitucional considera estáveis no serviço público os servidores civis dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, da administração direta, autárquica e das fundações públicas, não admitidos por meio de concurso público e em exercício na data da promulgação da Constituição (5/10/1988) há pelo menos cinco anos continuados.

Na sessão da última quinta-feira (1º), os ministros Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Gilmar Mendes e Celso de Mello seguiram o relator. Já os ministros Edson Fachin, Ricardo Lewandowski e ministra Cármen Lúcia acompanharam a divergência aberta pela ministra Rosa Weber, que votou pelo desprovimento do recurso, assegurando, portanto, a estabilidade. O julgamento foi concluído na manhã de hoje com os votos dos ministros Alexandre de Moraes e Marco Aurélio.

O ministro Alexandre de Moraes seguiu o relator, formando a maioria pelo provimento do RE. Segundo explicou o ministro, a fundação Padre Anchieta teve sua criação autorizada por lei estadual que condicionou sua existência ao assentamento dos atos constitutivos no registro civil das pessoas jurídicas e, embora receba subvenções do Poder Público, também é financiada por capital privado. A lei estadual também estabelece que os funcionários da fundação submetem-se ao regime celetista. O ministro lembrou ainda que as atividades por ela desempenhadas – produção e divulgação de conteúdos culturais e educativos por meio de rádio e televisão – caracterizam serviço público não exclusivo, suscetível de prestação por entidades privadas. “Não se trata de atividade estatal típica a demandar a aplicação exclusiva do regime jurídico de direito público”, destacou.

Citando diversos precedentes em que o STF assenta uma visão restritiva da estabilidade do artigo 19 do ADCT, o ministro Alexandre concluiu que a expressão “fundações públicas” constante no dispositivo constitucional refere-se apenas às fundações públicas estruturadas como entes autárquicos e, portanto, não aplicável aos funcionários da entidade paulista.

Por outro lado, o ministro Marco Aurélio seguiu a divergência e negou provimento ao recurso. Em seu entendimento, a Fundação Padre Anchieta tem natureza de direito público, uma vez que recebe recursos estaduais, foi criada para substituir serviço então vinculado à Secretaria de Educação, o governador atua na formação do seu quadro diretivo, e seus bens serão revertidos ao Estado de São Paulo no caso de sua extinção. Em razão desses fundamentos, para o ministro, os funcionários da entidade paulista devem ser alcançados pela estabilidade. Essa corrente, no entanto, ficou vencida no julgamento.

Repercussão geral

A tese para fins de repercussão geral proposta pelo relator e aprovada por maioria tem a seguinte redação:

1 – A qualificação de uma fundação instituída pelo Estado como sujeita ao regime público ou privado depende: I – do estatuto de sua criação ou autorização; II – das atividades por ela prestadas. As atividades de conteúdo econômico e as passíveis de delegação, quando definidas como objetos de dada fundação, ainda que essa seja instituída ou mantida pelo Poder Público, podem se submeter ao regime jurídico de direito privado.
2 – A estabilidade especial do artigo 19 do ADCT não se estende aos empregados das fundações públicas de direito privado, aplicando-se tão somente aos servidores das pessoas jurídicas de direito público.

Processo relacionado: RE 716378

Fonte: STF - Supremo Tribunal Federal

sexta-feira, 9 de agosto de 2019

RESPONSABILIDADE CIVIL - Sem provas de invalidez, prevalece presunção de legitimidade do ato administrativo


A presunção de legitimidade dos atos administrativos não é absoluta, mas deve prevalecer na ausência de provas que comprovem sua invalidade. Com base nesse entendimento, a 1ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo negou provimento ao recurso de um candidato que questionava sua eliminação de um concurso para soldado da Polícia Militar.
Segundo o relator, desembargador Marcos Pimentel Tamassia, o autor da ação não conseguiu provar que sua eliminação foi fundamentada em critérios arbitrários e ilegais, conforme alegou na inicial. Com isso, os desembargadores entenderam, por unanimidade, que deve prevalecer a presunção de legitimidade do ato administrativo que eliminou o autor do concurso.
“A presunção de legitimidade dos atos administrativos não significa que os atos da administração serão válidos em qualquer circunstância, o que seria incompatível com qualquer Estado Democrático de Direito, mas sim que na ausência de provas que comprovem sua invalidade, o que é o caso dos autos, presume-se a validez do ato administrativo”, afirmou Tamassia.
No voto, o relator destacou que, para caracterizar a responsabilidade civil do Estado, é preciso que se configure, de forma cumulativa, uma ação ou omissão ilícita da administração pública, um dano suportado pelo administrado e, além disso, um nexo de causalidade entre esses dois requisitos: “Na ausência de um desses três requisitos, como é o caso dos autos, o ente estatal não deve ser responsabilizado”.
Neste caso, a Câmara não verificou ação ilícita do estado para justificar a indenização por danos morais pleiteada pelo autor da ação. “O ato administrativo que eliminou o autor do concurso para soldado da PM não apresenta nenhuma ilegalidade. Pelo contrário, a apelada fundamentou a eliminação do autor em critérios técnicos e previstos no edital”, disse o relator.
Clique aqui para ler o acórdão.
1012508-35.2019.8.26.0053
Tábata Viapiana é repórter da revista Consultor Jurídico

Revista Consultor Jurídico, 8 de agosto de 2019, 7h26

quinta-feira, 8 de agosto de 2019




Dispõe sobre medidas de segurança aos ex-Presidentes da República, e dá outras providências.

Faço saber que o Congresso Nacional decretou, o Presidente da Câmara dos Deputados no exercício do cargo de Presidente da República, nos termos do § 2º do artigo 59, da Constituição Federal, sancionou, e eu, José Fragelli, Presidente do Senado Federal, nos termos do § 5º do artigo 59, da Constituição Federal, promulgo a seguinte

Art. 1º O Presidente da República, terminado o seu mandato, tem direito a utilizar os serviços de quatro servidores, para segurança e apoio pessoal, bem como a dois veículos oficiais com motoristas, custeadas as despesas com dotações próprias da Presidência da República. (Redação dada pela Lei nº 8.889, de 21.6.1994)

§ 1o  Os quatro servidores e os motoristas de que trata o caput deste artigo, de livre indicação do ex-Presidente da República, ocuparão cargos em comissão do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores - DAS, até o nível 4, ou gratificações de representação, da estrutura da Presidência da República. (Redação dada pela Lei nº 10.609, de 20.12.2002)

§ 2o  Além dos servidores de que trata o caput, os ex-Presidentes da República poderão contar, ainda, com o assessoramento de dois servidores ocupantes de cargos em comissão do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores - DAS, de nível 5.(Redação dada pela Lei nº 10.609, de 20.12.2002)

Art 2º O Ministério da Justiça responsabilizar-se-á pela segurança dos candidatos à Presidência da República, a partir da homologação em convenção partidária.

Art 3º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art 4º Revogam-se as disposições em contrário.

Senado Federal, em 8 de maio de 1986.

Senador JOSÉ FRAGELLI 


Presidente





Regulamenta a Lei no 7.474, de 8 de maio de 1986, que dispõe sobre medidas de segurança aos ex-Presidentes da República, e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, inciso IV, da Constituição, e tendo em vista o disposto na Lei no 7.474, de 8 de maio de 1986,

DECRETA:

Art. 1o  Findo o mandato do Presidente da República, quem o houver exercido, em caráter permanente, terá direito:
I - aos serviços de quatro servidores para atividades de segurança e apoio pessoal;
II - a dois veículos oficiais, com os respectivos motoristas; e
III - ao assessoramento de dois servidores ocupantes de cargos em comissão do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores - DAS, nível 5.

Art. 2o  Os servidores e motoristas a que se refere o art. 1o serão de livre escolha do ex-Presidente da República e nomeados para cargo em comissão destinado ao apoio a ex-Presidentes da República, integrante do quadro dos cargos em comissão e das funções gratificadas da Casa Civil da Presidência da República.

Art. 3o  Para atendimento do disposto no art. 1o, a Secretaria de Administração da Casa Civil da Presidência da República poderá dispor, para cada ex-Presidente, de até oito cargos em comissão do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores - DAS, sendo dois DAS 102.5, dois DAS 102.4, dois DAS 102.2 e dois DAS 102.1.

Art. 4o  Os servidores em atividade de segurança e os motoristas de que trata o art. 1o receberão treinamento para se capacitar, respectivamente, para o exercício da função de segurança pessoal e de condutor de veículo de segurança, pelo Departamento de Segurança do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República.

Art. 5o  Os servidores em atividade de segurança e os motoristas aprovados no treinamento de capacitação na forma do art. 4o, enquanto estiverem em exercício nos respectivos cargos em comissão da Casa Civil, ficarão vinculados tecnicamente ao Departamento de Segurança do Gabinete de Segurança Institucional, sendo considerados, para os fins do art. 6o, inciso V, segunda parte, da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003, agentes daquele Departamento.

Art. 6o  Aos servidores de que trata o art. 5o poderá ser disponibilizado, por solicitação do ex-Presidente ou seu representante, porte de arma institucional do Departamento de Segurança do Gabinete de Segurança Institucional, desde que cumpridos os seguintes requisitos, além daqueles previstos na Lei no 10.826, de 2003, em seu regulamento e em portaria do Ministro de Estado Chefe do Gabinete de Segurança Institucional:
I - avaliação que ateste a capacidade técnica e aptidão psicológica para o manuseio de arma de fogo, a ser realizada pelo Departamento de Segurança do Gabinete de Segurança Institucional;
II - observância dos procedimentos relativos às condições para a utilização da arma institucional, estabelecidos em ato normativo interno do Gabinete de Segurança Institucional; e
III - que se tratem de pessoas originárias das situações previstas no art. 6o, incisos III e V, da Lei no 10.826, de 2003.
Parágrafo único.  O porte de arma institucional de que trata o caput terá prazo de validade determinado e, para sua renovação, deverá ser realizada novamente a avaliação de que trata o inciso I do caput, nos termos de portaria do Ministro de Estado Chefe do Gabinete de Segurança Institucional.

Art. 7o  Durante os períodos de treinamento e avaliação de que tratam os arts. 4o e 6o, o servidor em atividade de segurança e motorista de ex-Presidente poderá ser substituído temporariamente, mediante solicitação do ex-Presidente ou seu representante, por agente de segurança do Departamento de Segurança do Gabinete de Segurança Institucional.

Art. 8o  O planejamento, a coordenação, o controle e o zelo pela segurança patrimonial e pessoal de ex-Presidente caberá aos servidores de que trata o art. 1o, conforme estrutura e organização própria estabelecida.

Art. 9o  A execução dos atos administrativos internos relacionados com a gestão dos servidores de que trata o art. 1o e a disponibilidade de dois veículos para o ex-Presidente serão praticadas pela Casa Civil, que arcará com as despesas decorrentes.

Art. 10.  Os candidatos à Presidência da República terão direito a segurança pessoal, exercida por agentes da Polícia Federal, a partir da homologação da respectiva candidatura em convenção partidária.

Art. 11.  O Ministro de Estado da Justiça, no que diz respeito ao art. 10, o Ministro de Estado Chefe do Gabinete de Segurança Institucional, no que concerne aos arts. 4o, 5o, 6o e 7o, e o Secretário de Administração da Casa Civil, quanto ao disposto nos arts. 2o e 9o, baixarão as instruções e os atos necessários à execução do disposto neste Decreto.

Art. 12.  Este Decreto entra em vigor na data da sua publicação.


Brasília, 27 de fevereiro de 2008; 187o da Independência e 120o da República.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA


Tarso Genro

Jorge Armando Felix


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