terça-feira, 2 de agosto de 2022

IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ESTAGIÁRIA. ENQUADRAMENTO NO CONCEITO DE AGENTE PÚBLICO PRECONIZADO PELA LEI 8.429/92

RECURSO ESPECIAL Nº 1.352.035 - RS (2012/0231826-8) RELATOR : MINISTRO HERMAN BENJAMIN RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL RECORRIDO: xxxxxxxxxxxxxx ADVOGADO : xxxxxxx 

EMENTA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ESTAGIÁRIA. ENQUADRAMENTO NO CONCEITO DE AGENTE PÚBLICO PRECONIZADO PELA LEI 8.429/92. PRECEDENTES. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 

1. Cuida-se, na origem, de Ação de Improbidade Administrativa proposta pelo Ministério Público Federal, ora recorrente, contra Michele Pires Xavier, ora recorrida, objetivando a condenação por ato ímprobo, praticado quando a recorrida era estagiária da CEF, consistente na apropriação de valores que transferiu da conta de um cliente, utilizando, para tanto, senha pessoal de uma funcionária da CEF, auferindo um total de R$ 11.121,27 (onze mil, cento e vinte e um reais e vinte e sete centavos). 

2. O Juiz de 1º Grau julgou o pedido procedente. 

3. O Tribunal a quo negou provimento aos Embargos Infringentes do ora recorrente, e assim consignou na decisão: "Por isso mesmo, não se pode considerar probo o contexto em que um estagiário possui poder semelhante ao de um agente público, reclamando cautela a imposição das reprimendas cominadas à improbidade administrativas a eventual excesso do estagiário." (fl. 476). 

4. Contudo, o conceito de agente público, constante dos artigos 2º e 3º da Lei 8.429/1992, abrange não apenas os servidores públicos, mas todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função na Administração Pública. 

5. Assim, o estagiário que atua no serviço público, ainda que transitoriamente, remunerado ou não, se enquadra no conceito legal de agente público preconizado pela Lei 8.429/1992. Nesse sentido: Resp 495.933-RS, Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 19/4/2004, MC 21.122/CE, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. p/ Acórdão Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 13/3/2014. 

6. Ademais, as disposições da Lei 8.429/1992 são aplicáveis também àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma, direta ou indireta, pois o objetivo da Lei de Improbidade é não apenas punir, mas também afastar do serviço público os que praticam atos incompatíveis com o exercício da função pública. 

7. Recurso Especial provido. ACÓRDÃO

sexta-feira, 10 de julho de 2020

DANO MORAL - Homem que perdeu rim e parte do intestino após tortura policial será indenizado

A polícia, segundo a Constituição Federal, deve promover a segurança pública. Transgredir esse dever, causando dano a um de seus administrados, contraria pressupostos básicos da estrutura do Estado e gera indenização. 

Homem foi agredido por policiais militares enquanto estava detido.

O entendimento é da 1ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, que condenou a Fazenda Pública a indenizar em R$ 70 mil um homem torturado por policiais militares. A decisão foi proferida em 10 de junho. 

Segundo os autos, em agosto de 2015, o autor da ação foi preso pelos agentes da PM depois de se envolver em uma confusão doméstica com a mãe. Embora tenha sido detido sem ferimentos, ele foi agredido por policiais enquanto estava preso. 

O autor foi submetido a duas cirurgias por conta do ataque e perdeu um rim e parte do intestino. As lesões foram causadas por chutes e golpes de cassetete. 

"Por mais que os agentes policiais tenham prerrogativa de deter particulares, caso as circunstâncias fáticas justifiquem tal medida, ao utilizar desta prerrogativa, no caso dos autos, com o fim de cometer agressões e, até mesmo, torturar os administrados, a medida se desviou do interesse público e, neste caso, a conduta dos agentes estatais configura-se como patente abuso de poder", afirma o relator do caso, desembargador Marcos Pimentel Tamassia. 

"Nesse cenário", prossegue o magistrado, "configurada a atuação abusiva dos agentes da Fazenda Pública do Estado de São Paulo, conclui-se que a conduta do corpo policial envolvido no caso dos autos atuou de forma abusiva, restando caracterizada a responsabilidade civil do Estado". 

O defensor público Matheus Bortoletto Raddi foi responsável por assistir o homem torturado. "Em que pese o acerto do pronunciamento judicial recorrido quanto à caracterização da responsabilidade civil, entende-se, data máxima vênia, que o valor fixado a título de danos morais não é suficiente para reparar os gravíssimos danos sofridos pelo demandante e, mais, para desestimular a prática de condutas semelhantes pelo Estado", afirma Raddi. 

Em primeira instância, a Fazenda Pública foi condenada a pagar R$ 30 mil. Tanto o agredido quanto a administração pública recorreram. A Fazenda alegou que as lesões ocorreram porque o detido teria ingerido vidro. Já a vítima, entrou com recurso pedindo a majoração da reparação. 

Além de aumentar o valor indenizatório, o TJ-SP determinou que o Estado busque responsabilizar os policiais autores das agressões. Os agentes já foram identificados.

Tiago Angelo é repórter da revista Consultor Jurídico.

Revista Consultor Jurídico, 9 de julho de 2020, 21h16

LAVOU TÁ NOVO TJ-PR anula penalidade imposta a empresa de coletes à prova de bala


O fato de produtos adquiridos pelo poder público via licitação apresentarem defeito dentro do prazo da garantia contratual não basta para configurar descumprimento de contrato por parte do fornecedor. Com esse entendimento, a 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná deu provimento a apelação para declarar a nulidade de processo administrativo autônomo que havia penalizado a empresa fornecedora, proibindo-a de participar de licitações e de contratar com a Administração pelo prazo de dois anos. 

Coletes foram reparados após três anos de uso pela Polícia Militar do Paraná

A decisão do TJ-PR, assim, tem como efeito a anulação dessa proibição, que havia sido imposta pelo governador do Paraná a uma empresa de tecidos técnicos que forneceu à Polícia Militar paranaense coletes à prova de bala.

A empresa venceu pregão eletrônico e teve o produto aprovado pela PM do Paraná, após testes balísticos, firmando contrato para fornecimento de 8.718 coletes. Três anos após a entrega, meios de comunicação passaram a noticiar que o equipamento estava com problema, o que levou à realização de testes.

Foram constatados defeitos nos coletes, que passaram por manutenção pela empresa, sem custos, por estarem dentro do período de garantia de cinco anos. Os equipamentos foram depois aprovados em testes realizados pelo Instituto de Criminalística do Paraná. Ainda assim, a empresa acabou submetida a processo administrativo autônomo por irregularidades na execução dos contratos.

Relator, o desembargador Renato Braga Bettega concluiu que a empresa cumpriu as especificações técnicas dispostas no edital de contratação. Assim, entendeu que não é possível concluir por defeitos de fabricação em testes realizados três anos após a entrega dos coletes, inclusive porque o poder público admitiu a possibilidade da incidência de fatores externos, tais como raios ultravioleta, suor e produtos químicos.

Para o TJ-PR, não há hipótese de inexecução contratual, uma vez que os coletes foram devidamente entregues, estavam em uso, não apresentaram situação de ineficiência balística durante o período anterior à descoberta de possíveis falhas e foram devidamente revisados, com os custos cobertos pela empresa contratada.

“Embora os produtos tenham apresentado defeitos dentro do prazo de validade (5 anos), o mau uso e/ou a má conservação podem ter afetado a eficiência dos coletes, sendo excessivamente rigorosa a aplicação de penalidade de proibição de contratar com o Poder Público pelo prazo de 2 anos por uma inexecução contratual que, aos olhos deste Relator, não ocorreu”, concluiu o desembargador. 

0002693-88.2017.8.16.0179

Danilo Vital é correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.

Revista Consultor Jurídico, 9 de julho de 2020, 22h01

segunda-feira, 18 de maio de 2020

O fornecimento de medicamentos pelo Estado e o direito à vida



17 de maio de 2020, 18h07

Por Letícia Colleen Andrade de Miranda

"Os direitos fundamentais, em rigor, não se interpretam: concretizam-se".

Paulo Bonavides

Assim descreve nossa Constituição o direito à vida:

"Caput do artigo 5º: todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes".

"Artigo 6° — São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho...".

Conforme traz a Magna Carta, o direito à vida é um direito fundamental, e como a saúde está diretamente ligada à vida, não há qualquer motivo para qualquer cidadão não receber do Estado o custeio do seu tratamento, uma vez que comprovada a existência do quadro clínico devidamente diagnosticado.

Tão logo, entende-se que é dever do Estado praticar ações visando à garantia da saúde de seus súditos, no caso, sendo o município ente federativo, não pode este se livrar do dever de garantir a saúde aos munícipes.

Para não haver dúvida de que é dever do município fornecer tratamento médico para as pessoas carentes, vejamos o que diz a Lei 8.080/90:

"Artigo 9º — A direção do Sistema Único de Saúde (SUS) é única, de acordo com o inciso I do artigo 198 da Constituição Federal, sendo exercida em cada esfera de governo pelos seguintes órgãos:

(...) no âmbito dos municípios, pela respectiva Secretaria de Saúde ou órgão equivalente............................

Artigo 18 — À direção municipal do Sistema de Saúde (SUS) compete:

I — planejar, organizar, controlar e avaliar as ações e os serviços de saúde e gerir e executar os serviços públicos de saúde;

(...)

V — dar execução, no âmbito municipal, à política de insumos e equipamentos para a saúde".

Ora, se a descentralização do SUS prevê a atuação do município na execução de serviços de saúde, e na política para dar insumos e equipamentos a saúde, não pode haver dúvida de que o fornecimento de tratamentos para pessoas carentes é dever do poder público.

Como se sabe, o tratamento fora do domicílio (TFD) é um mecanismo do SUS para garantir aos pacientes o acesso a serviços assistenciais de complexidade diferenciada em outros municípios, quando esgotados todos os recursos de diagnóstico e terapia no município de origem.

Na esfera federal, a Portaria/SAS/Nº055, de 24 de fevereiro de 1999, do Ministério da Saúde, por meio da Secretaria de Assistência à Saúde, acerca da rotina do tratamento fora do domicílio no SUS, especifica que o auxílio serve para custeio das despesas de transporte, alimentação e estadia pelo Sistema Único de Saúde:

"Artigo 4º — As despesas permitidas pelo TFD são aquelas relativas a TRANSPORTE AÉREO, TERRESTRE E FLUVIAL; DIÁRIAS PARA ALIMENTAÇÃO E PERNOITE PARA PACIENTE E ACOMPANHANTE , devendo ser autorizadas de acordo com a disponibilidade orçamentária do município/estado" (grifos da autora).

Assim, negar tratamento é negar o direito fundamental à saúde e consequentemente à vida, vejamos o entendimento de nossos tribunais:

"EMENTA: Direito Público não especificado. Sistema Único de Saúde. Tratamento especializado fora do domicílio. ILEGALIDADE NO SEU INDEFERIMENTO, NAS PECULIARIDADES DO CASO . Direito à saúde, garantia constitucionalmente assegurada, como dever do Estado. Sentença confirmada. Recurso improvido (apelação cível n° 598308955, Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Ari Azambuja Ramos, julgado em 22/10/1998)" (grifos da autora).

Conforme se falou anteriormente, a matéria ora em debate já se encontra delineada na Constituição Federal em seu artigo 198, § 1º, in verbis:

"O sistema único de saúde será financiado, nos termos do artigo 195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes."

Vislumbra-se do texto legal que a referência é feita às três esferas do Poder Executivo para ampliar a responsabilidade, de tal forma que não há que se falar em litisconsórcio ou ilegitimidade passiva de um dos entes públicos, pois o demandante em eventual ação judicial pode requerer o custeio a qualquer um dos entes federados.

Nesse prisma, o texto do artigo 196 da Constituição Federal, ao falar genericamente em Estado, tem cunho geral, preconizando que o custeio do Sistema Único de Saúde se dê por meio de recursos orçamentários da seguridade social comum a todos os entes federados, regionalização e hierarquização nele referidas que devem ser compreendidas sempre como intenção de descentralizar e garantir sua efetividade.

Ademais, é de grande relevância registrar que não existe subordinação, concorrência ou subsidiariedade entre as esferas municipal e estadual, aliás, qualquer uma delas responde autonomamente pela proteção à saúde individual.

No que se atina ao mérito propriamente dito, é cediço que a saúde é um direito público subjetivo indisponível assegurado a todos e consagrado no artigo 196 da Constituição Federal, senão vejamos:

"Artigo 196 — A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação".

Além do que, é dever da Administração garantir o direito à saúde e a aquisição de medicamentos as pessoas carentes portadoras de doenças, máxime, quando se trata de direito fundamental, qual seja, a vida humana.

É de bom alvitre ressaltar mais uma vez que, a Lei nº 8.080/90, que criou o Sistema Único de Saúde, face às exigências do parágrafo único do artigo 198 da Constituição Federal, reforça a obrigação do Estado no que concerne à política de gestão de aplicação de recursos mínimos para as ações e serviços públicos de saúde.

Destarte, o dispositivo constitucional não pode significar apenas uma norma programática, mas deverá surtir seus efeitos concretos, devendo o Estado implementar políticas públicas capazes de transformar a realidade dos destinatários da norma, garantindo a todos o direito à saúde digna e eficaz.

Diante disso, afigura-se como obrigação do Estado o fornecimento do medicamento necessário ao tratamento de qualquer cidadão.

Destaca-se também entendimento no que diz respeito a reexame necessário:

"EMENTA:. CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. PRELIMINARES: SUJEIÇÃO DA SENTENÇA AO REEXAME NECESSÁRIO E CHAMAMENTO DA UNIÃO E MUNICÍPIO AO PROCESSO. TRANSFERÊNCIA PARA O MÉRITO. DOENÇA GRAVE. MEDICAMENTO DE ALTO CUSTO. RESPONSABILIDADE DO ESTADO EM PRESTAR ASSISTÊNCIA À SAÚDE. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. PRECEDENTES DO TJRN. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO".

A saúde é direito de todos e dever do Estado, devendo este garantir, através de políticas sociais e econômicas, a redução dos riscos de doenças e de outros agravos, resguardando o acesso universal e a igualdade de ações e serviços para a promoção, proteção e recuperação dos necessitados.

Os dispositivos da lei orçamentária e da Lei de Responsabilidade Fiscal devem ser interpretados com base no fundamento da dignidade da pessoa humana, previsto no artigo 1º, inciso III, da Constituição da República, especialmente quando se está diante de uma pessoa portadora de doença grave com expressivo e iminente risco à sua própria vida, como o caso em comento. Corroborando este entendimento, temos:

"Conhecimento e improvimento da Apelação Cível. (TJRN  — Apelação Cível nº 2006.004505-7, 3ª Câmara Cível, Relator Desembargador Osvaldo Cruz - j. em 12/12/2006).

DIREITO CONSTITUCIONAL. APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO, PELO ESTADO, DE MEDICAMENTO DE ALTO CUSTO. OBRIGAÇÃO DE ORDEM CONSTITUCIONAL. É dever do Estado, enquanto imperativo de ordem constitucional, a plena disponibilidade de meios que resguardem à saúde dos seus súditos, incluindo-se nessa obrigação o pleno e regular fornecimento de medicamentos. Inexistência de afronta ao princípio da separação dos poderes, ou, ainda, a necessidade de previsão orçamentária e sujeição a procedimentos licitatórios. Remessa Necessária e Apelação conhecidas e improvidas (Remessa Necessária e Apelação Cível nº 2004.001652-2, 3ª Câmara Cível, Relator Desembargador Aécio Marinho - j. em 14.06.2005)".

No que tange à alegação de obediência ao princípio da reserva do possível, entende-se igualmente não merecer acolhida qualquer alegação nesse sentido, eis que se estará diante do conflito de normas referentes à saúde e, principalmente, o direito fundamental à vida, que não pode restar inviabilizado pelas simples argumentação de impossibilidade financeira ou qualquer obstáculo argumentado pelo município.

Inexiste um contexto lógico em que o município possa alegar que não tenha condições de arcar com o pedido da requerente, pois tal comportamento decorreria de nulificação ou aniquilação de direitos fundamentais do ser humano, o que é inaceitável e inadmissível.

A propósito, trago à luz deste juízo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Vejamos:

"ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL — RECURSO ESPECIAL — VIOLAÇÃO DE DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS — IMPOSSIBILIDADE DE EXAME - FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS — BLOQUEIO DE CONTAS DO ESTADO — POSSIBILIDADE.

1. Não cabe a esta Corte o exame da assertiva de violação de dispositivos constitucionais, sob pena de se usurpar a competência atribuída ao STF.

2. Tem prevalecido no STJ o entendimento de que é possível, com amparo no artigo 461, § 5º, do CPC, o bloqueio de verbas públicas para garantir o fornecimento de medicamentos pelo Estado.

3. Embora venha o STF adotando a Teoria da Reserva do Possível em algumas hipóteses, em matéria de preservação dos direitos à vida e à saúde, aquela Corte não aplica tal entendimento, por considerar que ambos são bens máximos e impossíveis de ter sua proteção postergada.

4. Agravo regimental improvido (AgRg no REsp 921590/RS, Ministra Eliana Calmon, j. em 29/8/07)."

A eventual ausência do cumprimento de formalidade burocrática não pode obstaculizar o pedido de fornecimento de medicamentos ou tratamento de saúde, vez que a enfermidade precisa ser combatida com a máxima urgência, já que a autopoiesis não espera. Entendimento consagrado na esteira de orientação do Egrégio Supremo Tribunal Federal:

"Recurso ordinário conhecido e provido.

(ROMS 11129/PR. DJ 18.02.2002. PÁG. 00279. Rel. Minº Francisco Peçanha Martins. 2ª Turma. STJ).

EMENTA: Município de Porto Alegre. Pedido de custeio de exame de ressonância magnética que não consta da lista dos exames fornecidos pelo SUS. A saúde é direito de todos e dever do Estado — Artigo 196 da Constituição Federal. Norma de Aplicação imediata. Responsabilidade do Poder Público. Os serviços de saúde são de relevância pública e de responsabilidade do Poder Público. Necessidade de preservar-se o bem jurídico maior que está em jogo: a própria vida. Aplicação dos artigos 5, par-1; 6 e 196 da CF. Embargos desacolhidos. (fls. 8).

(Embargos Infringentes 70001297084, Primeiro Grupo de Câmaras Cíveis, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Des. Francisco José Moesch. Julgado em 20/04/01).

EMENTA: Mandado de Segurança. Fornecimento de exames. Aparelhos e medicamentos essenciais e indispensáveis a saúde e vida do impetrante. Responsabilidade do Estado. E dever e responsabilidade do Estado, por força de disposição constitucional e infraconstitucional, o fornecimento de exames, medicamentos e aparelhos essenciais e indispensáveis à saúde e a própria vida do impetrante. Preliminar de ilegitimidade passiva afastada. O direito a saúde, pela nova ordem constitucional foi elevado ao nível dos direitos e garantias fundamentais sendo direito de todos e dever do Estado. Aplicabilidade imediata dos princípios de normas que regem a matéria. Segurança concedida. (fls. 9)

(Mandado de Segurança 597258359, Primeiro Grupo de Câmaras Cíveis. Tribunal de Justiça do RS, Relator: Des. Hernqie Osvaldo Poetea Roenick, Julgado em 17/3/00)".

Comumente, o cidadão, em casos de dificuldade no fornecimento de medicamento ou tratamento, é vitimado em sérios danos de ordem psíquica pelo tamanho descaso do Estado que pode culminar em morte, o que resulta em possibilidade de gerar indenização.

E, ressalve-se, a importância da indenização vai além do caso concreto, posto que a sentença tem alcance muito elevado, na medida em que traz consequências ao direito e toda sociedade. Por isso, deve haver a correspondente e necessária exacerbação do quantum da indenização tendo em vista a gravidade da ofensa à honra pela perda de um ente querido; os efeitos sancionadores da sentença só produzirão seus efeitos e alcançarão sua finalidade se esse quantum for suficientemente alto a ponto de apenar o réu e assim coibir que outros casos semelhantes aconteçam.

Letícia Colleen Andrade de Miranda é advogada, sócia do escritório Rafael Mayer, Lucena e Colleen, assessora jurídica na Autarquia Municipal de Trânsito e Transportes de Ipojuca (PE), pós-graduada em Direito Previdenciário e Seguridade Social pela Escola de Magistratura Trabalhista da 6ª Região e pós-graduanda em Direito Civil e Processo Civil pela Uninassau.

Revista Consultor Jurídico, 17 de maio de 2020, 18h07

segunda-feira, 11 de maio de 2020

Condenados por improbidade administrativa, acusados de dispensa indevida de licitação para a construção de uma unidade de saúde


A Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) condenou Possidônio Queiroga da Silva Neto, ex-prefeito de Patu (RN), dois servidores e um empresário a ressarcirem o valor de R$ 10.855,97 por danos causados ao erário. Eles foram condenados por improbidade administrativa, acusados de dispensa indevida de licitação para a construção de uma unidade de saúde. O relator do recurso, ministro Francisco Falcão, observou que o TRF5 entendeu por caracterizado o ato de improbidade previsto no artigo 10, VIII, da Lei de Improbidade Administrativa, praticado conjuntamente pelo ex-prefeito, pelo dono da empresa e pelos servidores, bem como constatou o efetivo prejuízo ao erário no valor de R$ 10.855,97. O ministro lembrou que, segundo a jurisprudência do STJ, a condenação ao ressarcimento não constitui sanção, mas é uma “consequência do prejuízo causado que deve recair sobre todos os que contribuíram para a prática do ato de improbidade”. Segundo o relator, por se tratar de obrigação solidária, a administração pública pode cobrar o valor integral do ressarcimento de qualquer um dos coobrigados, “subrogando-se aquele que pagou no direito de buscar o reembolso da cota-parte paga em nome dos codevedores”. 




quarta-feira, 6 de maio de 2020

Breves Conceitos de Direito Administrativo

Allaymer Ronaldo Bonesso
                                                          

ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Administrar significa gerir, organizar, conservar, zelar algo com dinamismo e eficiência. Administrar sempre dá a “ideia de comando, orientação, direção e chefia, ao lado da noção de subordinação, obediência e servidão, se se entender sua origem ligada a minor, minus, cuja raiz é min[1]. A Administração Pública indica áreas ligadas ao Poder Público e à coletividade ou ao público de modo amplo. Portanto, administrar a coisa pública significa gerir todo um aparelhamento público ou coletivo pela prestação de serviços, gerindo interesses públicos.
Sobre a expressão Administração Pública[2], segundo vários doutrinadores, sobressaem alguns critérios que se denominam de formal e material ou objetivo. Pelo critério formal, também denominado orgânico ou subjetivo, a expressão indica um complexo de órgãos responsáveis pelas funções administrativas, bem como dos agentes e entidades públicas. Pelo critério material, ou objetivo, material ou funcional, é a atividade estatal que, de forma legal, atende as necessidades coletivas, criando um complexo de atividades concretas e imediatas desempenhadas pelo Estado sob os termos e condições das legalidades impostas pelas normas.
Para Diogo de Figueiredo Moreira Neto, o conceito de Administração Pública decorre de cinco elementos: atividades, pessoas, recursos, objetivos e interesses. Ele leciona que “as atividades são funções públicas, cometidas pelo Estado, caracterizando-se por suas imanentes indisponibilidade e imperatividade e, assim, pela possibilidade de serem executadas coercitivamente”. Com relação às pessoas, diz que são as “incumbidas de desempenhar essas funções, são os entes públicos ou privados, atuando por seus respectivos órgãos e agentes, que, para esse efeito, recebem competência própria ou delegada”. Já “os recursos, de diversa natureza, notadamente financeiros, empregados para o desempenho dessas funções, serão, em princípio, também públicos e afetados a finalidades igualmente públicas”. Continua dizendo que “os objetivos a serem perseguidos serão todos aqueles, integral ou parcialmente, previstos em lei, aptos à satisfação dos interesses nela especificamente definidos como públicos”[3].
O Decreto-Lei n° 200/67, em seu art. 5º, dispõe sobre a organização da Administração Federal, estabelecendo diretrizes para a Reforma Administrativa e define as entidades da administração indireta da seguinte forma: “Autarquia – o serviço autônomo, criado por lei, com personalidade jurídica, patrimônio e receita, próprios para executar atividades típicas da Administração Pública, que requeiram, para seu melhor funcionamento, gestão administrativa e financeira descentralizada. Empresa Pública – a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, com patrimônio próprio e capital exclusivo da União, criado por lei para a exploração de atividade econômica que o Governo seja levado a exercer por força de contingência ou de conveniência administrativa podendo revestir-se de qualquer das formas admitidas em direito. Sociedade de Economia Mista – a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, criada por lei para a exploração de atividade econômica, sob a forma de sociedade anônima, cujas ações com direito a voto pertençam em sua maioria à União ou a entidade da Administração Indireta; Fundação Pública – a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, criada em virtude de autorização legislativa, para o desenvolvimento de atividades que não exijam execução por órgãos ou entidades de direito público, com autonomia administrativa, patrimônio próprio gerido pelos respectivos órgãos de direção, e funcionamento custeado por recursos da União e de outras fontes”.





[1] GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 15ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p.96.
[2] Para evitar confusão, dizia Hely Lopes MEIRELLES in Direito Administrativo Brasileiro, 36ª ed., p. 60, escrevemos sempre com maiúsculas a expressão Administração Pública quando nos referimos a entidades e órgãos administrativos, e com minúsculas – Administração Pública – quando aludimos à função ou atividade administrativa.
[3] MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo – parte introdutória, parte geral e parte especial – 14ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 110.

quarta-feira, 29 de abril de 2020

Breves Conceitos de Direito Administrativo

Allaymer Ronaldo Bonesso
 
DESVIO DE FINALIDADE


Todo ato administrativo deve atender a uma finalidade pública, ou seja, todo ato criado e posto em evidência pela administração deve satisfazer o interesse público quando se concretizar no mundo jurídico; caso contrário, tornar-se-á ato nulo por desvio de finalidade. Denomina-se, também, desvio de poder ou tresdestinação e está caracterizado quando o administrador público, utilizando de sua competência, pratica o ato administrativo “por motivos ou com fins diversos dos objetivados pela lei ou exigidos pelo interesse público. O desvio de finalidade ou de poder é, assim, a violação ideológica da lei, ou, por outras palavras, a violação moral da lei, colimando o administrador público fins não queridos pelo legislador [...]”[1].
Se a lei estabelece poderes ao administrador público, tais poderes devem ser usados devidamente e preservando o interesse público, pois o uso indevido de atos praticados[M1]  por uma autoridade administrativa, fazendo uso de sua faculdade discricionária, configura o desvio da finalidade pública. O desvio de poder se caracteriza por quatro elementos, que podem ser assim explicados: o ato é expedido para que uma autoridade administrativa o pratique em nome da coletividade; essa competência para a prática do ato ela recebeu da lei, porém o uso do poder discricionário deve ser voltado para uma só finalidade, que é a pública e, quando ocorre fim diverso daquele conferido pela lei, se dá o desvio de poder. Assim, os quatro elementos caracterizadores são autoridade administrativa, a competência, poder discricionário e fim diverso do conferido pela lei[2].
A finalidade pública, portanto, é alçada a princípio especial na Administração Pública, pois o processo administrativo deve atender sempre “os fins de interesse geral, vedada a renúncia total ou parcial de poderes ou competências, salvo autorizada por lei”, segundo o art. 2º, inc. II, da Lei n° 9.784/99.
É nulo o ato lesivo ao patrimônio das entidades nos casos de desvio de finalidade, ex vi do art. 2°, parágrafo único, da Lei n° 4.717/65. Deve ser observado, segundo a letra e do [M2] artigo citado, que desvio de finalidade se verifica quando o agente pratica o ato visando fim diverso daquele previsto, explícita ou implicitamente, na regra de competência. O núcleo do princípio é obrigar a Administração Pública a agir sempre visando ao interesse público, sendo defeso alcançar objetivos diversos daqueles previstos na legislação. Alguns exemplos de desvio de finalidade: a) decretada desapropriação de um terreno alegando-se utilidade pública; entretanto, o ato expropriatório revela-se por satisfação pessoal do administrador público; b) a lotação de servidor público como uma forma de punição; c) a remoção de servidor por vingança política; d) processo administrativo autuado sem fundamento, etc. Os agentes que podem cometer desvio de finalidade ou de poder e que nulificam as condutas são prefeitos, juízes, delegados, governadores e outros.
A comprovação do desvio de poder ou finalidade se dá por meio de indícios, ou com um sintoma do desvio de poder, tais como, por exemplo, motivação insuficiente e ou contraditória, irracionalidade do procedimento, acompanhada da edição do ato, camuflagem dos fatos, inadequação entre os motivos e os efeitos, excesso de motivação[3].



[1] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, 36ª ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 114.
[2] CRETELLA JÚNIOR, José. Tratado de direito administrativo. 2ª ed. Vol. II, Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 217.
[3] CRETELLA JÚNIOR, José. Tratado de direito administrativo. 2ª ed. Vol. II, Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 225.