domingo, 25 de maio de 2025

Breves Conceitos de Direito Administrativo Positivo


REAJUSTAMENTO DE PREÇO


O mercado, seja mobiliário ou imobiliário, possui variações econômico-financeiras que, sempre que possível, devem estar previstas quando da contratação pelo Poder Público. Tais previsões devem estar formalizadas nos ajustes públicos, sob pena de rompimento do equilíbrio do contrato. Esta prática é muito utilizada no Brasil, onde os preços possuem variações múltiplas por vários motivos, criando uma inconveniência para se estabelecer ou prever preço fixo.

O reajuste de preço assegura o equilíbrio econômico-financeiro do contrato público, mesmo não previsto no instrumento convocatório e no ajuste formal contratual, pois, ocorrendo fatores que alterem a situação econômica, novos valores deverão ser estabelecidos. Esse entendimento largamente utilizado pelo Direito é justamente o de manter a harmonia entre os contratantes, mantendo-os equilibrados para a finalidade contratual proposta inicialmente. 

Diferente figura é a revisão, ou o realinhamento de preços, que ocorre quando se verifica alteração dos preços não causada pela inflação, mas por condições excepcionais ou anômalas de elevação ou redução.

Já a recomposição de preços, com previsão no art. 124, II, “d”, e art. 130 da Lei 14.133/2021, que antes somente poderia ocorrer judicialmente, hoje pode alterar o contrato via aditamento, com a devida motivação/justificativas, nos casos em que as partes acordam que, por fatos supervenientes, tornou-se necessário “para restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe ou em decorrência de fatos imprevisíveis ou previsíveis de consequências incalculáveis, que inviabilizem a execução do contrato tal como pactuado, respeitada, em qualquer caso, a repartição objetiva de risco estabelecida no contrato” (124, II, d). Quando o fato for previsível, como, por exemplo, despesas com impostos e taxas e direitos trabalhistas, não se pode reajustar o contrato . O art. 130 da Lei 14.133/2021, estabelece que “caso haja alteração unilateral do contrato que aumente ou diminua os encargos do contratado, a Administração deverá restabelecer, no mesmo termo aditivo, o equilíbrio econômico-financeiro inicial”.

A previsão para reajuste de preço pode ser prevista desde o edital da licitação, segundo o art. 25, § 7.º, e art. 92, V e § 3.º, da Lei 14.133/201; a Lei de Licitações estabelece que uma das cláusulas dos contratos com o Poder Público obriga a prever a periodicidade do reajustamento de preços e os critérios de atualização monetária entre a data do adimplemento das obrigações e a do efetivo pagamento. É importante salientar que a não existência de cláusula prevendo o equilíbrio econômico-financeiro não impedirá que se faça um aditamento contratual, revisão contratual ou qualquer outro ato, tendo em vista que a previsão contratual é irrelevante. A alteração é bilateral, e o TCU já admitiu a possibilidade de se alterar cláusula contratual que estabeleça o reajuste. 

A Lei 14.133/2021 estabelece que há necessidade de formalização de termo aditivo para efetivação do reajustamento, que pode ser implementado por mero apostilamento, é o que dispõe o art. 136 “registros que não caracterizam alteração do contrato podem ser realizados por simples apostila, dispensada a celebração de termo aditivo, como nas seguintes situações: inc. I I - variação do valor contratual para fazer face ao reajuste ou à repactuação de preços previstos no próprio contrato”.

Assim, o reajustamento incidirá sobre prestações financeiras que tenham a forma de preços. Tem como fundamento a correção de desequilíbrios que sejam razoavelmente previsíveis e atinge somente os preços.


sábado, 24 de maio de 2025

Breves Conceitos de Direito Administrativo Positivo

 FUNCIONÁRIO DE FATO



        O funcionário, servidor ou agente público de fato é aquele que, apesar de ter sua investidura declarada irregular, exerceu suas funções de forma aparentemente regular. A validação dos atos praticados por esses indivíduos se justifica pela proteção à boa-fé dos administrados, que presumem a legitimidade da atuação estatal. Essa validação também se alinha ao princípio da segurança jurídica, garantindo que aqueles que se relacionam com a Administração Pública possam confiar na validade dos atos praticados por seus agentes. Embora sua nomeação seja irregular, a aparência de legalidade de sua atuação leva à validação dos atos praticados.

        O funcionário de fato não está obrigado a devolver aos cofres públicos possíveis valores recebidos a título de remuneração, evidente se ele estiver de boa-fé, pois prestou ele serviços laborando em favor da Administração que, por sua vez, não pode se locupletar indevidamente, por isso merecedor da remuneração percebida ao longo do exercício ilegal.  O Supremo Tribunal Federal trata o assunto como teoria do funcionário de fato, concluindo que todos os atos praticados nessa situação serão válidos.  A validade dos atos praticados pelo funcionário de fato tem seu amparo, segundo alguns doutrinadores, na teoria do órgão (v), que é a manifestação de vontade da pessoa jurídica pública por meio dos órgãos. A vontade que o Estado deve manifestar é, na verdade, a manifestação legal do servidor público, que faz a vez desse Estado na imputação do ato à Administração. A nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos – Lei nº 14.133/21, no art. 5º, inclui o princípio da impessoalidade como regulador dos atos administrativos, pois os destinatários destes atos são os cidadãos, sem distinções. 

        Diante da situação de um funcionário de fato, a Administração Pública deve manter os atos por ele praticados, mesmo que posteriormente se verifique a irregularidade de sua investidura. A justificativa para essa manutenção reside na aparência de legalidade que envolve tais atos, gerando a legítima expectativa nos administrados de que estão diante de atos válidos. Essa proteção aos administrados se justifica pelo princípio da segurança jurídica, que visa garantir a estabilidade das relações jurídicas. Esse entendimento se funda no princípio da boa-fé, que integra o núcleo do princípio da segurança jurídica, e visa evitar que os particulares sofram prejuízos em razão de falhas ou omissões da Administração.

        Não somente o funcionário de fato pode existir dentro da administração pública como também o funcionário de fato putativo,  ou seja, funcionário de fato que usurpa do cargo usando do direito alheio de ser investido em cargo público. (Putativo: que se supõe ser o que não é; suposto, supositício. Concedido de maneira falsa a algo ou alguém: título putativo; casamento putativo. (Fonte: https://www.dicio.com.br/putativo/)

        Ao fazer uma análise comparativa com o funcionário de fato, o funcionário de fato putativo atuará como se tivesse a investidura legal para o cargo e faz os outros acreditarem que possui legitimidade para exercer a função pública. O funcionário de fato não possui qualquer investidura para o cargo, atuando de forma totalmente irregular. O vício que caracteriza o funcionário de fato putativo é de natureza formal, relacionado a um ato de nomeação ou posse; no caso do funcionário de fato, pode não existir um concurso público, a nomeação foi irregular ou até mesmo ocorre a usurpação de funções. Exemplos são, no caso de funcionário de fato putativo é, então, aquele que tomou posse em um cargo, mas posteriormente descobriu-se tratar de um homônimo que não prestou o concurso, porém, aproveitou-se de um erro do controle do concurso e assumiu em nome de outro exercendo a função por um período, ou seja, acredita-se estar legitimado para o cargo, mas sua investidura possui um vício formal. Ou servidor provado em concurso que começa a exercer a função, porém mais tarde constata-se um vício insanável no ato de nomeação. Neste caso, os atos praticados pelo agente de fato putativo deverão, em princípio, ser convalidados. Já o funcionário de fato não possui nenhuma legitimidade para o cargo, e atua de forma irregular.

    Dessa forma, torna-se necessário que se faça corretamente a identificação do agente (putativo ou de fato), pois é fundamental para a análise da validade dos atos praticados e para a imputação de responsabilidades. A distinção apresentada entre essas figuras demonstra a existência de muita complexidade das relações jurídicas no âmbito da Administração Pública e a importância de se observar os requisitos legais para a investidura em cargos públicos.

quarta-feira, 7 de maio de 2025

Breves Conceitos de Direito Administrativo


ÁLEA 

Segundo o dicionário Houaiss, álea é um termo jurídico cujo significado literal é a possibilidade de prejuízo simultâneo ao do lucro, ou seja, o risco. Da mesma forma, a Enciclopédia Saraiva de Direito define álea como um risco incerto quanto à sua verificação.  A origem da palavra é da famosa frase do imperador romano Júlio Cesar: Alea jacta est, ou seja, “a sorte está lançada”. O termo é amplamente empregado em textos jurídicos, especialmente no contexto dos contratos aleatórios, como os de apostas. Assim, álea pode ser definida como um fato incerto, tanto em relação à sua ocorrência quanto ao momento de sua constatação.


No Direito Administrativo, álea tem o significado de “um acontecimento futuro que influi na economia do contrato administrativo”.  Nesse contexto, a álea administrativa é compreendida como “[...] evento futuro que determina desequilíbrio no contrato administrativo por parte da Administração (fato do príncipe (v)) [...]”.  Trata-se de um conceito fundamental dos contratos administrativos, pois, “como acontecimento futuro que influi na economia desse tipo de avenças, e para estudo da Teoria da Imprevisão” (Araújo, 2007, p. 645). Em termos práticos, álea é o risco que se corre ao contratar com a Administração Pública e estabelecer a responsabilidade daquele que agir em desconformidade com o contrato. 

A doutrina nacional adotou a classificação da doutrina francesa para o termo, distinguindo entre a álea ordinária e álea extraordinária. A álea ordinária corresponde aos aos riscos normais do contrato administrativo, ou seja, é o risco normal do negócio, presentes qualquer contrato firmado entre empresários ou entre particulares e a Administração Pública. Já a álea extraordinária, divide-se em duas categorias: álea administrativa e álea econômica. 

A álea administrativa abrange as modalidades: a) alteração unilateral do contrato; b) fato do príncipe (v) e c) fato da administração (v). A alteração unilateral do contrato ocorre quando a Administração Pública modifica unilateralmente o contrato para melhor adequá-lo ao interesse público, e a alteração ocorrida após a alteração unilateral, deve obedecer à enorme variação existente com relação ao interesse público e também ao equilíbrio econômico-financeiro do contrato. O Fato do príncipe (v) caracteriza-se pela edição de norma pública que agrava as condições do contratado no cumprimento do contrato. Fato da administração (v) decorre da “conduta ou comportamento da Administração Pública, como parte no contrato, torne impossível a execução do contrato ou provoque seu desequilíbrio econômico” (Di Pietro, 2008, p. 265). 

A alteração unilateral do contrato pelo Poder Público possui limites que protegem os contratantes. A Lei 14.133/2021, está previsto no art. 104, I, que confere à Administração Pública a prerrogativa de modificar unilateralmente um contrato para melhor adequação às finalidades de interesse público, respeitados os direitos do contratado. O art. 130 da Lei de Licitações dispõe que na “alteração unilateral que agrave os encargos do contratado, a Administração Pública deve restabelecer, no mesmo termo aditivo, o equilíbrio econômico-financeiro inicial.”  

Por sua vez, a álea econômica está relacionada a fatores externos ao contrato administrativo, ou seja, a eventos imprevisíveis e excepcionais que independem da vontade das partes. Esses acontecimentos inevitáveis podem gerar prejuízos financeiros significativos, comprometendo o equilíbrio econômico do contrato a ponto de inviabilizar o cumprimento de suas cláusulas.

Esse fenômeno é denominado pela doutrina como Teoria da Imprevisão, a qual, para ser aplicada, exige o preenchimento de determinados requisitos: a) que o evento causador do prejuízo seja alheio à conduta das partes; b) que tal evento, além de imprevisto, seja também imprevisível; e c) que o prejuízo decorrente da imprevisão seja de tal gravidade que impeça a conclusão do contrato. Para parte da doutrina, os requisitos são: “a) imprevisibilidade do evento ou incalculabilidade de seus efeitos; b) inimputabilidade do evento às partes; c) grave modificação das condições do contrato, e d) ausência de impedimento absoluto” (Justen Filho, 2023, p. 318). 

A Teoria da Imprevisão aplica-se à maioria dos contratos celebrados pela Administração Pública, por configurar uma exceção ao disposto no art. 5º, inciso III, da Lei n.º 11.079/2004. Esse dispositivo legal prevê a obrigatoriedade de cláusula contratual que estabeleça a repartição de riscos entre as partes, inclusive os relacionados a caso fortuito, força maior, fato do príncipe e álea econômica extraordinária. Assim, os contratos de parceria público-privada, regidos por essa norma específica, não se submetem às disposições aplicáveis aos contratos regulados pela Lei n.º 14.133/2021.

"Quase Contrato" na Administração Pública.


A maioria das obrigações firmadas entre as partes decorre de um acordo de vontades, produzindo os efeitos jurídicos daí resultantes. Assim que se concretiza o pacto, surge a obrigação entre as partes e se forma um contrato, que pode ser formal ou não. No entanto, nem sempre as obrigações têm origem nesse tipo de acordo. Elas podem surgir de um vínculo do qual uma das partes sequer tinha conhecimento. Por exemplo, imagine-se um devedor que, acreditando ser determinada pessoa sua credora, efetua o pagamento a ela. Posteriormente, descobre que a pessoa paga não era a verdadeira credora e, por isso, exige a devolução da quantia. Nesse caso, quem recebeu o valor tem a obrigação de restituí-lo, pois ninguém pode enriquecer-se injustamente à custa de outrem. Surge, então, a pergunta: qual é o vínculo jurídico que permite exigir a devolução? A resposta está no princípio de que ninguém pode se beneficiar injustamente do prejuízo alheio. É a partir dessa premissa que nasce o chamado quase-contrato.

Para compreender melhor essa figura jurídica, vale considerar algumas definições doutrinárias. Segundo Cretella Júnior (2010, p. 207), o “quase contrato” é “o ato lícito e voluntário que torna seu autor credor de outra pessoa, sem que tenha havido prévio acordo de vontades entre ambas”. E prossegue Cretella Júnior (2010, p. 207): “segundo a célebre definição de Teófilo (Ad Institutas, 4, 5), é o ato lícito, gerador de obrigações que, diferentemente do contrato, não exige o consentimento das partes, mas, como o contrato, é sancionado por uma ação reipersecutória”. Celso Antônio Bandeira de Mello (2006, p. 640) complementa afirmando que “os quase-contratos seriam uma fonte obrigacional decorrente de ato voluntário em que sujeitos de direito se ligam como se fora por vínculo contratual, sem que, todavia, tenha ocorrido acordo de vontades que caracteriza o contrato”. 

No campo do Direito Civil, os quase-contratos abrangem situações como a gestão de negócios, o enriquecimento sem causa e a repetição do indébito. Já no Direito Administrativo, apenas a teoria do enriquecimento sem causa e a gestão de negócios foram objeto de estudos mais aprofundados. Conforme leciona Bandeira de Mello, “no Direito Administrativo compreenderiam a gestão de negócios (negotiorum gestio) e a ação de restituição do indébito (actio de in rem verso), cujo objeto se incluiria no gênero que proscreve o enriquecimento sem causa. Sem dúvida, este último é a principal figura, e merece uma particular referência” (Mello, 2006, p. 640).

Desse modo, a atuação de terceiros que realizam atos ou efetuam despesas em benefício do Poder Público e da coletividade — mesmo que decorrentes de atos posteriormente anulados ou de contratos prorrogados sem as formalidades legais — pode gerar uma situação jurídica que impõe o dever de indenização. Trata-se da formação de relações obrigacionais lícitas e unilaterais, com efeitos vinculantes entre as partes. 

Nesse contexto, compreende-se que a doutrina do “quase contrato” na Administração Pública refere-se à ideia de que, em determinadas circunstâncias, a lei impõe obrigações recíprocas análogas às contratuais, mesmo na ausência de um contrato formal. Essas obrigações fundamentam-se em princípios como a boa-fé, o enriquecimento sem causa e a proteção da confiança legítima. Embora não haja um vínculo contratual propriamente dito, estabelece-se uma relação entre o particular e o Poder Público sem que tenha havido contraprestação. Um exemplo clássico é o da requisição administrativa: embora não exista contrato, a lei impõe o dever de indenizar. O mesmo raciocínio aplica-se a hipóteses de ocupação temporária de imóveis particulares ou a certos atos preparatórios de licitação que exigem investimentos por parte dos particulares. Nesses casos, configura-se uma situação de “quase contrato”, impondo-se à Administração Pública a obrigação de ressarcimento.

Ressalte-se, contudo, que a aplicação do conceito de “quase contrato” à Administração Pública é limitada e objeto de controvérsia, especialmente em razão da exigência constitucional de licitação para a maioria dos contratos administrativos (art. 37, XXI, da CF/88), bem como do princípio da legalidade estrita, que orienta toda a atuação administrativa.

Por fim, reitera-se que o Poder Público tem o dever de indenizar aquele que, por sua iniciativa, contribuiu para o acréscimo do patrimônio público. Isso porque o enriquecimento sem causa é inadmissível, e, como princípio amplamente reconhecido, ninguém deve se beneficiar do prejuízo alheio.