(opinião - folha de são paulo)
1º. nov. 2019 às 2h00
Sergio Avelleda
Imagine se os acionistas de uma empresa privada de alta complexidade, preocupados com custos, desperdícios ou mesmo ilegalidades, baixassem a seguinte diretriz: quem tomar uma decisão que um fiscal externo considere equivocada responderá com o seu patrimônio pessoal pelos custos adicionais e multas, perderá o emprego, ficando impossibilitado de atuar no mercado de trabalho, e ainda será exposto publicamente como desonesto.
Essa ficção, claro, nada tem a ver com empresas bem geridas, nas quais os executivos são estimulados a inovar e a tomar riscos com prudência. Os erros são admitidos como possíveis, sempre com a presunção de boa-fé —até prova robusta em contrário.
As divergências de prioridades administrativas não são consideradas erros execráveis. Essa, entretanto, é a realidade na administração pública, na qual o risco de decidir está insuportável, levando a mais completa paralisia os gestores probos e que prezam sua dignidade.
Tomar decisões é realizar escolhas entre alternativas possíveis, vencer dilemas. Na administração pública, possível é o que seja legal e eficiente. O problema é que esses conceitos são quase sempre sujeitos a interpretações. Escolher uma vai contrariar as interpretações diversas, o que não deveria ser considerado uma desonestidade.
O regime de responsabilização dos administradores públicos é regido, principalmente, pela Lei de Improbidade Administrativa (https://www1.folha.uol.com.br/poder/2017/08/1913843-acoes-por-improbidade-recuperam-r-32-bilhoes-dedinheiro-publico.shtml), um avanço no sistema de controle dos atos públicos.
A interpretação corrente dessa lei, no entanto, tem tido dois efeitos
https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2019/11/risco-administrativo-e-improbidade.shtml 3/4
nefastos (https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2019/10/a-necessaria-ressignificacao-do-conceito-deimprobidade.shtml):
1 - considera ato de improbidade, até prova em contrário a ser produzida em processos que duram muitos anos, todos os atos de gestão de que o Ministério Público discorde;
2 - em consequência, tem afastado da administração pública todo aquele que não queira se
sujeitar ao sério risco da execração. O próprio nome da lei demonstra que a intenção do legislador era a necessária repressão da desonestidade (https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2017/02/1861217-foro-privilegiado-em-acoes-de-improbidade.shtml), sinônimo de improbidade. Tratar como falta de honestidade as divergências de opinião quanto às prioridades de gestão, ou mesmo os erros técnicos, contraria o propósito da lei, paralisa e engessa a administração pública e afasta talentos que não aceitem correr graves riscos.
A isso se acresce o nefasto costume de paralisar toda obra que sobre a qual exista suspeita de improbidade. Há casos em que a paralisação é necessária, há outros em que fazê-lo só multiplica os prejuízos do Estado.
O Tribunal de Justiça de São Paulo acaba de me absolver por unanimidade (https://www1.folha.uol.com.br/poder/2019/10/tj-reverte-condenacao-e-absolve-expresidente-do-metro-em-acao-da-linha-5.shtml) de uma condenação superior a R$ 1 bilhão (https://www1.folha.uol.com.br/colunas/monicabergamo/2018/02/secretario-de-doria-e-condenadoem-acao-da-linha-5-do-metro.shtml), além da perda de direitos políticos e de não
poder exercer função pública por cinco anos.
E qual era acusação? Corrupção, enriquecimento ilícito? Nada disso. Eu, como então presidente do Metrô de São Paulo, e a diretoria da empresa não seguimos a recomendação de um promotor para
suspender as obras da linha 5-Lilás.
Hoje, milhares usam a linha todos os dias. As empresas acusadas de formação de cartel (https://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/po2610201025.htm), do qual não participei nem fui acusado de participar, estão condenadas a pagar indenização ao Metrô. Por oito anos fui execrado na V como se estivesse envolvido em uma fraude milionária. Meus filhos passaram uma vergonha que não mereciam. Perdi o emprego, tive que trabalhar fora do Brasil.
Das minhas feridas, cuidarei eu. Mas o país precisa encontrar um sistema (https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/02/maia-cria-comissao-para-elaborar-mudancas-em-leide-improbidade.shtml) em que a busca por eficiência na administração pública não implique o risco de ser rotulado como bandido.
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