segunda-feira, 15 de abril de 2019

ADMINISTRATIVO. PODER DE POLÍCIA. TRÂNSITO. SANÇÃO PECUNIÁRIA APLICADA POR SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. IMPOSSIBILIDADE.

RECURSO ESPECIAL Nº 817.534 - MG (2006⁄0025288-1)
 
RELATOR : MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES
RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS
RECORRIDO : EMPRESA DE TRANSPORTE E TRÂNSITO DE BELO HORIZONTE - BHTRANS
ADVOGADO : GERALDO LUÍS SPAGNO GUIMARÃES E OUTRO(S)
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES (Relator): Trata-se de recurso especial interposto pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais, com fundamento na alínea "a" do inciso III do artigo 105 da Constituição da República, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais assim ementado (fl. 390):
ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – BHTRANS – PODER DE POLÍCIA – FISCALIZAR O TRÂNSITO E IMPOR SANÇÕES – COMPETÊNCIA LEGISLATIVA SUPLEMENTAR – VALIDADE – MATÉRIA DE INTERESSE LOCAL QUE PODE SER REGULAMENTADA PELA MUNICIPALIDADE. A Empresa de 
Transporte e Trânsito de Belo Horizonte (BHTrans), criada com o objetivo de gerenciar o trânsito local, tem competência para aplicar multa aos infratores de trânsito, nos termos do art. 24, do Código Nacional de Trânsito. Sendo o poder de polícia inerente à Administração Pública e recebendo o agente de trânsito delegação da autoridade competente para agir dentro dos limites da jurisdição do município, extrai-se que este possui o poder-dever de aplicar as multas cabíveis ao ato infracional em concreto, sob pena de sua atuação, ao final, revelar-se inócua.

Os embargos de declaração opostos foram rejeitados (fl. 414).

Nas razões recursais (fls. 425⁄451), sustenta o recorrente ter havido violação aos arts. 535 do Código de Processo Civil - CPC e 21 e 24 do Código de Trânsito Brasileiro - CTB.

Contra-razões às fls. 514⁄524.

O juízo de admissibilidade foi positivo na origem (fls. 538⁄540) e o recurso foi regularmente processado.

É o relatório.
RECURSO ESPECIAL Nº 817.534 - MG (2006⁄0025288-1)
 
EMENTA
ADMINISTRATIVO. PODER DE POLÍCIA. TRÂNSITO. SANÇÃO PECUNIÁRIA APLICADA POR SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. IMPOSSIBILIDADE.
1. Antes de adentrar o mérito da controvérsia, convém afastar a preliminar de conhecimento levantada pela parte recorrida. Embora o fundamento da origem tenha sido a lei local, não há dúvidas que a tese sustentada pelo recorrente em sede de especial (delegação de poder de polícia) é retirada, quando o assunto é trânsito, dos dispositivos do Código de Trânsito Brasileiro arrolados pelo recorrente (arts. 21 e 24), na medida em que estes artigos tratam da competência dos órgãos de trânsito. O enfrentamento da tese pela instância ordinária também tem por conseqüência o cumprimento do requisito do prequestionamento.
2. No que tange ao mérito, convém assinalar que, em sentido amplo, poder de polícia pode ser conceituado como o dever estatal de limitar-se o exercício da propriedade e da liberdade em favor do interesse público. A controvérsia em debate é a possibilidade de exercício do poder de polícia por particulares (no caso, aplicação de multas de trânsito por sociedade de economia mista).
3. As atividades que envolvem a consecução do poder de polícia podem ser sumariamente divididas em quatro grupo, a saber: (i) legislação, (ii) consentimento, (iii) fiscalização e (iv) sanção.
4. No âmbito da limitação do exercício da propriedade e da liberdade no trânsito, esses grupos ficam bem definidos: o CTB estabelece normas genéricas e abstratas para a obtenção da Carteira Nacional de Habilitação (legislação); a emissão da carteira corporifica a vontade o Poder Público (consentimento); a Administração instala equipamentos eletrônicos para verificar se há respeito à velocidade estabelecida em lei (fiscalização); e também a Administração sanciona aquele que não guarda observância ao CTB (sanção).
5. Somente o atos relativos ao consentimento e à fiscalização são delegáveis, pois aqueles referentes à legislação e à sanção derivam do poder de coerção do Poder Público.
6. No que tange aos atos de sanção, o bom desenvolvimento por particulares estaria, inclusive, comprometido pela busca do lucro - aplicação de multas para aumentar a arrecadação.
7. Recurso especial provido.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES (Relator): Penso que assiste razão ao recorrente.
Antes de adentrar o mérito da controvérsia, convém afastar a preliminar de conhecimento levantada pela parte recorrida. Embora o fundamento da origem tenha sido a lei local, não há dúvidas que a tese sustentada pelo recorrente em sede de especial (delegação de poder de polícia) é retirada, quando o assunto é trânsito, dos dispositivos do Código de Trânsito Brasileiro arrolados pelo recorrente (arts. 21 e 24), na medida em que estes artigos tratam da competência dos órgãos de trânsito. O enfrentamento da tese pela instância ordinária também tem por conseqüência o cumprimento do requisito do prequestionamento.
No que tange ao mérito, convém assinalar que, em sentido amplo, poder de polícia pode ser conceituado como o dever estatal de limitar-se o exercício da propriedade e da liberdade em favor do interesse público. A controvérsia em debate é a possibilidade de exercício do poder de polícia por particulares (no caso, aplicação de multas de trânsito por sociedade de economia mista).
As atividades que envolvem a consecução do poder de polícia podem ser sumariamente divididas em quatro grupo, a saber: (i) legislação, (ii) consentimento, (iii) fiscalização e (iv) sanção.
No âmbito da limitação do exercício da propriedade e da liberdade no trânsito, esses grupos ficam bem definidos: o CTB estabelece normas genéricas e abstratas para a obtenção da Carteira Nacional de Habilitação (legislação); a emissão da carteira corporifica a vontade o Poder Público (consentimento); a Administração instala equipamentos eletrônicos para verificar se há respeito à velocidade estabelecida em lei (fiscalização); e também a Administração sanciona aquele que não guarda observância ao CTB (sanção).
Somente o atos relativos ao consentimento e à fiscalização são delegáveis, pois aqueles referentes à legislação e à sanção derivam do poder de coerção do Poder Público.
No que tange aos atos de sanção, o bom desenvolvimento por particulares estaria, inclusive, comprometido pela busca do lucro - aplicação de multas para aumentar a arrecadação.
Com essas considerações, voto por DAR PROVIMENTO ao recurso especial.

Documento: 5585038RELATÓRIO, EMENTA E VOTO

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