quarta-feira, 27 de março de 2019

O estagiário que atua no serviço público, ainda que transitoriamente, remunerado ou não, se enquadra no conceito legal de agente público preconizado pela Lei 8.429/1992



RECURSO ESPECIAL Nº 1.352.035 - RS (2012?0231826-8)
RELATOR : MINISTRO HERMAN BENJAMIN
RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
RECORRIDO : MICHELE PIRES XAVIER
ADVOGADO : ANDRÉ DA COSTA COI

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO HERMAN BENJAMIN (Relator): Trata-se de Recurso Especial interposto, com fundamento no art. 105, III, "a" e "c", da CF, contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região às fls. 468-480 assim ementado:
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ESTAGIÁRIO. QUALIDADE DE AGENTE PÚBLICO. IMPOSSIBILIDADE.

1. A atividade de estágio não se equipara a mandato, cargo, emprego ou função pública, sendo precipuamente educacional.

2. Estagiário não pode ser considerado agente 'público e, por conseguinte, sujeito ativo de atos de improbidade.

3. Ainda que criminosa a conduta do estagiário, a improbidade está na conduta de quem lhe incumbiu deveres típicos de agente público, pois conferiu responsabilidades 'a quem, ao menos aos olhos da Lei de Improbidade, não poderia responder.

O recorrente afirma que houve, além da divergência jurisprudencial, ofensa aos artigos 2º e 3º da Lei 8.429?92, sob o argumento de que o estagiário está sujeito à responsabilização por ato de improbidade.
Contrarrazões às fls. 507-520.

O Recurso Especial foi admitido à fl. 521.

Parecer do Ministério Público Federal opinando pelo provimento do Recurso Especial às fls. 533-540.

É o relatório.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.352.035 - RS (2012?0231826-8)


VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO HERMAN BENJAMIN (Relator): Cuida-se, na origem, de Ação de Improbidade Administrativa proposta pelo Ministério Público Federal, ora recorrente, contra Michele Pires Xavier, ora recorrida, objetivando a condenação por ato ímprobo, praticado quando a recorrida era estagiária da CEF, consistente na apropriação de valores que transferiu da conta de um cliente, utilizando, para tanto, senha pessoal de uma funcionária da CEF, auferindo um total de R$ 11.121,27 (onze mil, cento e vinte e um reais e vinte e sete centavos).
O Juiz de 1º Grau julgou o pedido procedente.

O Tribunal a quo negou provimento aos Embargos Infringentes do ora recorrente, e assim consignou na decisão:

Com a vênia do n. prolator do voto vencido, tenho que deve ser mantido o acórdão atacado.

Na hipótese, ainda que, reprovável a conduta da fé, fato é que a natureza de sua relação com a administração é precipuamente educacional, não O sendo menos reprovável a circunstância de que tenha, por autorização superior, acumulado poder de, na prática, dispor livremente dos depósitos dos correntistas.

Efetivamente, deve-se ter em conta que a Lei da Improbidade Administrativa tem como escopo, inclusive, o ordenamento e a moralização do serviço público.

Por isso mesmo, não se pode considerar probo o contexto em que um estagiário possui poder semelhante ao de um agente público, reclamando cautela a imposição das reprimendas cominadas à improbidade administrativas a eventual excesso do estagiário.

De fato, a conduta da ré foi criminosa, mas irregular (e improbo) foi o comportamento do agente público que deu a ela o poder do qual ela se valeu para delinquir, pois conferiu responsabilidades a quem, ao menos aos olhos da Lei de Improbidade, não poderia responder.

Ante o exposto, voto por negar provimento aos embargos infringentes. (fls. 476-477).

O parecer do Parquet Federal exarado pelo Subprocurador-Geral da República Dr. Moacir Guimarães Morais Filho, às fls. 533-540, bem analisou a questão:

1. Administrativo. Ação Civil Pública. Recurso Especial. Improbidade Administrativa. Estagiária. Equiparação a agente público. Possibilidade.

2. A ré reputa-se a condição de agente público, tendo em vista que foi contratada para desempenhar atividades junto a administração pública na Caixa Econômica Federal, devendo esta responder pelos atos de improbidade previstos na Lei 8.429?92.

3. Parecer do MPF

(...)

10. A ré reputa-se a condição de agente público, tendo em vista que foi contratada para desempenhar atividades junto a administração pública na Caixa Econômica Federal, devendo esta responder pelos atos de improbidade previstos na Lei 8.429?92. Os artigos 2º e 3º da Lei
8.429/92 definem agente público para efeitos da Lei de Improbidade Administrativa. Verbis :

Art. 2° Reputa-se agente público, para os efeitos desta lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior.

Art. 3° As disposições desta lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta.

11. Aplica-se ao caso em questão, os dispositivos legais mencionados.

12. No tocante à divergência jurisprudencial, o recorrente demonstrou de forma satisfatória, as circunstâncias que identificam ou assemelham os casos confrontados, com indicação da similitude fático- jurídica entre eles. Realizou o necessário cotejo analítico entre o acórdão recorrido e os arestos trazidos a confronto. Cumpriu os requisitos legais e regimentais (art. 541, parágrafo único, do CPC e art. 255 do RI?STJ).

13. A jurisprudência desse Tribunal Superior é pacífica quanto ao conceito de agente público e sua abrangência.

“RECURSO ESPECIAL. PENAL. ARTS. 71 E 155, § 4º, CP. FURTO QUALIFICADO. CONTINUIDADE DELITIVA. BOLSA FAMÍLIA. SAQUES FRAUDULENTOS. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. CONDUTA TÍPICA PERPETRADA CONTRA PROGRAMA ESTATAL QUE BUSCA RESGATAR DA MISERABILIDADE PARCELA SIGNIFICATIVA DA POPULAÇÃO. MAIOR REPROVAÇÃO. CONTINUIDADE DELITIVA. NÚMERO DE INFRAÇÕES IMPLICA MAIOR EXASPERAÇÃO DE PENA. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211?STJ.

1. Estagiário de órgão público que, valendo-se das prerrogativas de sua função, apropria-se de valores subtraídos do programa bolsa-família subsume-se perfeitamente ao tipo penal descrito no art. 312, § 1º, do Código Penal – peculato-furto –, porquanto estagiário de empresa pública ou de entidades congêneres se equipara, para fins penais, a servidor ou funcionário público, lato sensu, em decorrência do disposto no art. 327, § 1º, do Código Penal.(...)

3. Indevida a incidência do princípio da insignificância em decorrência de duplo fundamento: primeiro, o quantum subtraído, qual seja, R$ 2.130,00 (dois mil, cento e trinta reais), não pode ser considerado irrisório; e, segundo, além de atentar contra a Administração Pública, o delito foi praticado em desfavor de programa de transferência de renda direta – Programa Bolsa Família – que busca resgatar da miserabilidade parcela significativa da população do País, a tornar mais desabonadora a conduta típica.

4. Na continuidade delitiva, leva-se em consideração o número de infrações praticadas pelo agente ativo para a exasperação da pena (art. 71 do CP).

5. Ausência de prequestionamento. Súmula 211?STJ.

6. Recurso especial improvido (Resp 1.303.748-AC - MINISTRO SEBASTIÃO REIS JÚNIOR - Data do julgamento:25?06?2012; Dje:06?08?2012 …........................................................................................
…........................................................................................
ADMINISTRATIVO. LEI DE IMPROBIDADE. CONCEITO E ABRANGÊNCIA DA EXPRESSÃO "AGENTES PÚBLICOS". HOSPITAL PARTICULAR CONVENIADO AO SUS (SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE). FUNÇÃO DELEGADA.

1. São sujeitos ativos dos atos de improbidade administrativa, não só os servidores públicos, mas todos aqueles que estejam abrangidos no conceito de agente público, insculpido no art. 2º, da Lei n.º 8.429?92.

2. Deveras, a Lei Federal nº 8.429?92 dedicou científica atenção na atribuição da sujeição do dever de probidade administrativa ao agente público, que se reflete internamente na relação estabelecida entre ele e a Administração Pública, superando a noção de servidor público, com uma visão mais dilatada do que o conceito do funcionário público contido no Código Penal (art. 327).(...) 4. Imperioso ressaltar que o âmbito de cognição do STJ, nas hipóteses em que se infirma a qualidade, em tese, de agente público passível de enquadramento na Lei de Improbidade Administrativa, limita-se a aferir a exegese da legislação com o escopo de verificar se houve ofensa ao ordenamento (...).

7. Recursos parcialmente providos, apenas, para reconhecer a legitimidade passiva dos recorridos para se submeteram às sanções da Lei de Improbidade Administrativa, acaso comprovadas as transgressões na instância local.
(Resp 495.933-RS, MINISTRO LUIZ FUX, PRIMEIR TURMA, Data do Jujgamento 16?03?2004, Dje 19?04?2004).”

Ante o exposto, o MPF opina pelo conhecimento e provimento do recurso especial.

É o parecer.

No mais, o conceito de agente público, constante dos artigos 2º e 3º da Lei 8.429?1992, abrange não apenas os servidores públicos, mas todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função na Administração Pública.

Assim, o estagiário que atua no serviço público, ainda que transitoriamente, remunerado ou não, se enquadra no conceito legal de agente público preconizado pela Lei 8.429?1992.


Nesse sentido:


ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. MEDIDA CAUTELAR. ATRIBUIÇÃO DE EFEITO SUSPENSIVO A RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS DA FUMUS BONI IURIS E DO PERICULUN IN MORA.

1. A atribuição de efeito suspensivo a recurso especial pendente da demonstração inequívoca da presença, concomitante, dos requisitos do fumus boni iuris e do periculum in mora, evidenciados, respectivamente, pela possibilidade de êxito do recurso especial e pela urgência na prestação jurisdicional.

2. O enquadramento do estagiário no conceito de agente público, para fins de sua submissão à Lei n. 8.429/1992, depende das funções que, de fato, estava a exercer, por ocasião do ilícito que praticou. É desinfluente, assim, o fato de, dentre suas atribuições, não haver possibilidade de tomar decisões.

3. No caso, está consignado nos autos que ele tinha acesso a senha que legitimaria operações que só o empregado da Caixa Econômica Federal poderia realizar, o que, em exame preliminar, denota que, transitoriamente, em razão de seu vínculo com a CEF, exerceu, de forma ilícita, função que, embora estranha a suas atribuições, contrariou os princípios da administração pública. Assim, não se verifica a "fumaça do bom direito".

4. O recebimento da inicial da ação de improbidade, com sua regular tramitação, não é suficiente à caracterização do periculum in mora.

5. Agravo regimental provido para revogar a atribuição do efeito suspensivo conferido ao recurso especial.
(MC 21.122?CE, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Rel. p? Acórdão Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, DJe 13?03?2014)

Ademais, as disposições da Lei 8.429?1992 são aplicáveis também àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma, direta ou indireta, pois o objetivo da Lei de Improbidade é não apenas punir, mas também afastar do serviço público os que praticam atos incompatíveis com o exercício da função pública.
Diante do exposto, dou provimento ao Recurso Especial e determino a remessa dos autos para o Tribunal de origem, a fim de prosseguir no julgamento.
É como voto.




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