sexta-feira, 27 de dezembro de 2019

Temas para seminário: Programa de Parcerias de Investimentos da Presidência da República e sobre a sua inclusão no Programa Nacional de Desestatização

DECRETO Nº 10.147, DE 2 DE DEZEMBRO 2019

Dispõe sobre a qualificação de unidades de conservação no âmbito do Programa de Parcerias de Investimentos da Presidência da República e sobre a sua inclusão no Programa Nacional de Desestatização.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso das atribuições que lhe confere o art. 84,caput, inciso IV e VI, alínea "a", da Constituição, e tendo em vista o disposto na Lei nº 13.334, de 13 de setembro de 2016, e na Resolução nº 79, de 29 de agosto de 2019, do Conselho do Programa de Parcerias de Investimentos da Presidência da República,

D E C R E T A :

Art. 1º Ficam qualificadas, no âmbito do Programa de Parcerias de Investimentos da Presidência da República - PPI, e incluídas no Programa Nacional de Desestatização - PND as seguintes unidades de conservação, para fins de concessão da prestação dos serviços públicos de apoio à visitação, com previsão do custeio de ações de apoio à conservação, à proteção e à gestão das referidas unidades:

I - Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses, no Estado do Maranhão;

II - Parque Nacional de Jericoacoara, no Estado do Ceará; e

III - Parque Nacional do Iguaçu, no Estado do Paraná.

Art. 2º O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES poderá ser contratado para elaborar os estudos necessários às concessões de que trata o art. 1º e para apoiar as atividades de supervisão dos serviços técnicos e de revisão de produtos contratados.

Art. 3º Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 2 de dezembro de 2019; 198º da Independência e 131º da República.

JAIR MESSIAS BOLSONARO
Luis Gustavo Biagioni
Onyx Lorenzoni

Este conteúdo não substitui o publicado na versão certificada.

quinta-feira, 26 de dezembro de 2019

O que muda na Lei 8.429/92 - Lei de Improbidade Administrativa - com a entrada em vigor da LEI Nº 13.964, DE 24 DE DEZEMBRO DE 2019 (Aperfeiçoa a legislação penal e processual penal)

Art. 6º A Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992, passa a vigorar com as seguintes alterações:
“Art. 17. ............................................................................................
§ 1º As ações de que trata este artigo admitem a celebração de acordo de não persecução cível, nos termos desta Lei.
..........................................................................................................
§ 10-A. Havendo a possibilidade de solução consensual, poderão as partes requerer ao juiz a interrupção do prazo para a contestação, por prazo não superior a 90 (noventa) dias.



Art. 17. A ação principal, que terá o rito ordinário, será proposta pelo Ministério Público ou pela pessoa jurídica interessada, dentro de trinta dias da efetivação da medida cautelar.
§ 1º É vedada a transação, acordo ou conciliação nas ações de que trata o caput.         (Revogado pela Medida provisória nº 703, de 2015)       (Vigência encerrada)
§ 1º É vedada a transação, acordo ou conciliação nas ações de que trata o caput.
§ 2º A Fazenda Pública, quando for o caso, promoverá as ações necessárias à complementação do ressarcimento do patrimônio público.
§ 3º No caso da ação principal ter sido proposta pelo Ministério Público, a pessoa jurídica interessada integrará a lide na qualidade de litisconsorte, devendo suprir as omissões e falhas da inicial e apresentar ou indicar os meios de prova de que disponha.
§ 3o  No caso de a ação principal ter sido proposta pelo Ministério Público, aplica-se, no que couber, o disposto no § 3o do art. 6o da Lei no 4.717, de 29 de junho de 1965.    (Redação dada pela Medida Provisória nº 1.337, de 1996)       (Redação dada pela Medida Provisória nº 1.472-31, de 1996)

§ 3o  No caso de a ação principal ter sido proposta pelo Ministério Público, aplica-se, no que couber, o disposto no § 3o do art. 6o da Lei no 4.717, de 29 de junho de 1965.         (Redação dada pela Lei nº 9.366, de 1996)
§ 4º O Ministério Público, se não intervir no processo como parte, atuará obrigatoriamente, como fiscal da lei, sob pena de nulidade.
§ 5o  A propositura da ação prevenirá a jurisdição do juízo para todas as ações posteriormente intentadas que possuam a mesma causa de pedir ou o mesmo objeto. (Incluído pela Medida provisória nº 1.984-16, de 2000)       (Incluído pela Medida provisória nº 2.180-35, de 2001)
§ 6o  A ação será instruída com documentos ou justificação que contenham indícios suficientes da existência do ato de improbidade ou com razões fundamentadas da impossibilidade de apresentação de qualquer dessas provas, observada a legislação vigente, inclusive as disposições inscritas nos arts. 16 a 18 do Código de Processo Civil.  (Vide Medida Provisória nº 2.088-35, de 2000)      (Incluído pela Medida Provisória nº 2.225-45, de 2001)
§ 7o  Estando a inicial em devida forma, o juiz mandará autuá-la e ordenará a notificação do requerido, para oferecer manifestação por escrito, que poderá ser instruída com documentos e justificações, dentro do prazo de quinze dias.  (Vide Medida Provisória nº 2.088-35, de 2000)        (Incluído pela Medida Provisória nº 2.225-45, de 2001)
§ 8o  Recebida a manifestação, o juiz, no prazo de trinta dias, em decisão fundamentada, rejeitará a ação, se convencido da inexistência do ato de improbidade, da improcedência da ação ou da inadequação da via eleita.  (Vide Medida Provisória nº 2.088-35, de 2000)  (Incluído pela Medida Provisória nº 2.225-45, de 2001)
§ 9o  Recebida a petição inicial, será o réu citado para apresentar contestação.   (Vide Medida Provisória nº 2.088-35, de 2000)    (Incluído pela Medida Provisória nº 2.225-45, de 2001)
§ 10.  Da decisão que receber a petição inicial, caberá agravo de instrumento.   (Vide Medida Provisória nº 2.088-35, de 2000)      (Incluído pela Medida Provisória nº 2.225-45, de 2001)
§ 11.  Em qualquer fase do processo, reconhecida a inadequação da ação de improbidade, o juiz extinguirá o processo sem julgamento do mérito.  (Vide Medida Provisória nº 2.088-35, de 2000)        (Incluído pela Medida Provisória nº 2.225-45, de 2001)
§ 12.  Aplica-se aos depoimentos ou inquirições realizadas nos processos regidos por esta Lei o disposto no art. 221, caput e § 1o, do Código de Processo Penal.    (Vide Medida Provisória nº 2.088-35, de 2000)    (Incluído pela Medida Provisória nº 2.225-45, de 2001)
§ 13.  Para os efeitos deste artigo, também se considera pessoa jurídica interessada o ente tributante que figurar no polo ativo da obrigação tributária de que tratam o § 4º do art. 3º e o art. 8º-A da Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003. (Incluído pela Lei Complementar nº 157, de 2016)

quarta-feira, 25 de dezembro de 2019

Esta Lei aperfeiçoa a legislação penal e processual penal.




Aperfeiçoa a legislação penal e processual penal.

“Art. 10-A. Realizar captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos para investigação ou instrução criminal sem autorização judicial, quando esta for exigida:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
§ 1º Não há crime se a captação é realizada por um dos interlocutores.
§ 2º A pena será aplicada em dobro ao funcionário público que descumprir determinação de sigilo das investigações que envolvam a captação ambiental ou revelar o conteúdo das gravações enquanto mantido o sigilo judicial.”
Art. 8º O art. 1º da Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998, passa a vigorar acrescido do seguinte § 6º:
“Art. 1º ..................................................................................................
...............................................................................................................
§ 6º Para a apuração do crime de que trata este artigo, admite-se a utilização da ação controlada e da infiltração de agentes.” (NR)
Art. 9º A Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003, passa a vigorar com as seguintes alterações:
“Art. 16. Possuir, deter, portar, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob sua guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição de uso restrito, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
............................................................................................................
§ 1º ....................................................................................................
§ 2º Se as condutas descritas no caput e no § 1º deste artigo envolverem arma de fogo de uso proibido, a pena é de reclusão, de 4 (quatro) a 12 (doze) anos.” (NR)
“Art. 17. .............................................................................................
Pena - reclusão, de 6 (seis) a 12 (doze) anos, e multa.
§ 1º ....................................................................................................
§ 2º Incorre na mesma pena quem vende ou entrega arma de fogo, acessório ou munição, sem autorização ou em desacordo com a determinação legal ou regulamentar, a agente policial disfarçado, quando presentes elementos probatórios razoáveis de conduta criminal preexistente.” (NR)
“Art. 18. ............................................................................................
Pena - reclusão, de 8 (oito) a 16 (dezesseis) anos, e multa.
Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem vende ou entrega arma de fogo, acessório ou munição, em operação de importação, sem autorização da autoridade competente, a agente policial disfarçado, quando presentes elementos probatórios razoáveis de conduta criminal preexistente.” (NR)


.............................

 

Art. 19. Fica revogado o § 2º do art. 2º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990.
Art. 20. Esta Lei entra em vigor após decorridos 30 (trinta) dias de sua publicação oficial. 
Brasília, 24 de  dezembro  de 2019; 198o da Independência e 131o da República. 
JAIR MESSIAS BOLSONARO
Sérgio Moro
José Vicente Santini
André Luiz de Almeida Mendonça
Este texto não substitui o publicado no DOU de 24.12.2019 - Edição extra
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sábado, 14 de dezembro de 2019

Temas para seminário, parte 2 - A privatização das prisões






                    É indiscutível que a nossa realidade carcerária é preocupante. Os nossos presídios e as nossas penitenciárias, abarrotados, recebem a cada dia um sem número de indiciados, processados ou condenados, sem que se tenha a mínima estrutura para recebê-los e há, ainda, milhares de mandados de prisão a serem cumpridos Ao invés de lugares de ressocialização do homem, tornam-se, ao contrário, fábrica de criminosos, de revoltados, de desiludidos, de desesperados. Por outro lado, a volta para a sociedade (através da liberdade), ao invés de solução, muitas das vezes torna-se mais uma via crucis, pois são homens fisicamente libertos, porém, de tal forma estigmatizados que se tornam reféns do seu próprio passado.



                    Hoje, o homem que cumpre uma pena ou de qualquer outra maneira deixa o cárcere encontra diante de si a triste realidade do desemprego, do descrédito, da desconfiança, do medo e do desprezo, restando-lhe poucas alternativas que não o acolhimento pelos seus antigos companheiros. Este homem é, em verdade, um ser destinado ao retorno: retorno à fome, ao crime, ao cárcere (só não volta se morrer).



                    Este é o nosso sistema penitenciário. Há solução?



                    Alguns advogam há algum tempo a idéia da privatização das prisões.



                    Somos intransigentemente contrários à privatização das prisões pelos motivos adiante aduzidos:



                    Como se sabe, é exclusividade do Estado manter a ordem pública mediante o uso da força, quando necessário, pois, salvo em casos excepcionais como a prisão em flagrante ou o desforço imediato, não é permitido ao particular coagir outrem com o uso da força; de regra, tal munus cabe à Administração Pública.



                     Em sendo assim, difícil é se admitir que seja delegada à iniciativa privada a possibilidade de ter sobre o homem o poder de sua guarda. Até do ponto de vista do Direito Administrativo isto não é possível. Analisando a questão sob este prisma, assim escreveu Ercília Rosana Carlos Reis:



                     “A execução penal, como vimos, não pode ser delegada a particular. As modalidades contratuais existentes hoje dentro da esfera da legislação administrativa não podem ser aproveitadas pelo programa de privatização, principalmente se o mesmo permitir que o particular aufira lucro e ainda se reembolse dos gastos com a construção de presídios através do trabalho dos presos. Essa forma de pagamento à empresa privada nada tem a ver com as que estão previstas na Lei de Licitações e Contratos hoje em vigor.”[1]



                     Aliás, já em 1955, a Organização das Nações Unidas, a ONU, em um documento que foi chamado de “REGRAS MÍNIMAS PARA O TRATAMENTO DOS RECLUSOS”, no seu item 73.1, orientava:



                     “As indústrias e granjas penitenciárias deverão, preferivelmente, ser dirigidas pela própria administração, e não por contratantes particulares.”



                     Demonstra-se, com este documento, que a preocupação com a privatização das penitenciárias não é de agora.



                     Dois anos depois, em 1957, o Professor Oscar Stevenson, em um Anteprojeto de Código Penitenciário que apresentou, na sua Exposição de Motivos, afirmou com salutar propriedade:



                     “Veda-se, por outro lado, a locação do trabalho dos recolhidos a empresas privadas. A enterprise, ou contract system, a direta sujeição do recolhido a contratantes particulares é sistema que a experiência condenou.”



                     Destarte, os responsáveis pela administração de um sistema penitenciário devem ser primordialmente funcionários públicos, cidadãos pagos pelos cofres públicos e que exercerão uma função exclusiva da administração pública.



                     Ademais, a execução penal, dirigida por um Juiz de Direito, fiscalizada pelo Ministério Público, não deve ter como órgão diretamente executor uma empresa privada que, antes de qualquer outro intuito, procura o lucro em suas atividades; e, então, exsurge a maior contradição da idéia: como se admitir que se extraiam lucros a partir da própria violência; como se conceber o ganho monetário a partir da criminalidade: é ou não é um contra-senso?



                     Sobre este assunto, há um importante estudo feito pelo americano Eric Lotke, onde se mostra o absurdo que se chegou com a privatização das prisões nos Estados Unidos. Ácido crítico da idéia, afirma o estudioso norte-americano o seguinte:



                     “As companhias de prisões privadas constituem hoje um novo ingrediente na economia dos EUA.



                     “Oito companhias administram atualmente mais de 100 presídios em 19 estados. É uma indústria que cresceu vertiginosos 34 pontos percentuais nos últimos cinco anos. Existem hoje aproximadamente 70.000 presos em presídios privados. Em 1984 o número era de 2.500.



                      “Os investidores perceberam isso. Uma pesquisa realizada em março de 1996 pela empresa Equitable Securities em Nashville descreve a indústria de prisões como ‘extremamente atraente’ e aconselha com muita ênfase aos investidores.



                     “A indústria líder no mercado, a Corrections Corporation of America, a primeira companhia privada a comercializar suas ações, foi aclamada em 1993 (pelos analistas financeiros) como o grande investimento dos anos 90.”



                     E onde estaria a vantagem de se investir em prisões privadas? Segundo explica o mesmo articulista “o grande atrativo da administração privada das prisões e das companhias de serviços é simples: eles podem realizar nas prisões o mesmo trabalho feito pelo governo a um custo mais baixo, normalmente de 5% a 15% abaixo dos custos do setor público.” E como isto é possível? Em detrimento dos salários dos empregados e no não investimento em serviços que “poderiam transformar os presos em membros produtivos da sociedade quando libertados”, pois “companhias preocupadas com os lucros preferem evitar os custos com tratamento para viciados, aconselhamento em grupo, programas de alfabetização.”



                     Concluindo, afirma o americano:



                     “As indústrias madeireiras precisam de árvores; as siderúrgicas precisam de ferro; as companhias de prisões usam pessoas como matéria prima. As indústrias enriquecem na medida em que conseguem apanhar mais pessoas.”[2]



                    Não podemos ceder ao lobby das empresas de vigilância, além das de alimentação, lavanderia e tantas outras, estas sim, que iriam lucrar e auferir rendas notáveis, mas, inteiramente ilegítimas.



                    Se as nossas prisões não têm condições mínimas para abrigar seres humanos (e isto é verdade), cabe ao Estado, com o dinheiro que arrecada do contribuinte, mudar o modelo que hoje constatamos e assegurar o pouco de dignidade que resta a alguém que já perdeu a sua liberdade. Cabe ao Poder Público procurar soluções que permitam o cumprimento da pena de maneira humana e, efetivamente, ressocializadora, processo que passa, inclusive, pela preparação profissional do respectivo corpo funcional e pelo aumento do número de estabelecimentos prisionais, desafogando os que hoje existem.



                    Não esqueçamos que o art. 1º. da Lei de Execução Penal diz que a execução penal tem por objetivo “proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado.” É evidente que tal dispositivo legal é mais uma agigantada letra morta em nosso sistema jurídico, o que é lamentável.



                    Por outro lado, também garante a mesma lei (§ 1º., do art. 84), que o “preso primário cumprirá pena em seção distinta daquela reservada para os reincidentes”, exatamente visando a impedir que a promiscuidade entre presos perigosos e outros que não sejam assim considerados, possa tornar prejudicial a estes últimos.



                    Uma outra questão grave é que as colônias agrícolas, industriais ou similares, previstas na mesma lei para receber presos do regime semi-aberto, não existem em grande parte do País, inviabilizando o adequado cumprimento de pena no referido regime. O mesmo fenômeno ocorre com as casas do albergado, destinadas ao preso em regime aberto e com os conselhos da comunidade, cuja previsão legal é de um por cada Comarca (!!!), a fim de prestar assistência aos presos e fiscalizar os estabelecimentos penais.



                    As condições atuais do cárcere, especialmente na América Latina, fazem com que a partir da ociosidade em que vivem os detentos, estabeleça-se o que se convencionou chamar de “subcultura carcerária”, um sistema de regras próprias no qual não se respeita a vida, nem a integridade física dos companheiros, valendo intra muros a “lei do mais forte”, insusceptível, inclusive, de intervenção oficial de qualquer ordem.



                    Basicamente são estes os motivos pelos quais a idéia da privatização das prisões é, sobretudo, desumana, algo a mais a estigmatizar a personalidade do condenado, transformando-o, como dito acima, em objeto de lucro e não de recuperação (é evidente que não interessaria a uma empresa privada ressocializar ninguém, muito pelo contrário; um homem ressocializado seria menos um em suas celas).



[1] Privatização das Prisões – A Privatização das Prisões sob a Ótica do Direito Administrativo, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 48.



[2] Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, nº. 18, p. 28.

Rômulo de Andrade Moreira - Promotor de Justiça e Coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias Criminais do Ministério Público do Estado da Bahia. Professor de Direito Processual Penal da Universidade Salvador-UNIFACS na graduação e na pós-graduação. Pós-graduado, lato sensu, pela Universidade de Salamanca/Espanha (Direito Processual Penal) e pela UNIFACS (Curso de Especialização em Processo coordenado pelo Professor Calmon de Passos). Membro da Association Internationale de Droit Penal e do Instituto Brasileiro de Direito Processual. Associado ao Instituto Brasileiro de Ciências Criminais - IBCCrim e ao Movimento Ministério Público Democrático.



 Email:  moreira@e-net.com.br




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Temas para seminários - Servidor Público. Direito à posse. TRF1 - Doença preexistente à posse em cargo público não garante remoção por motivo de saúde




Não obstante a comprovação das patologias por junta médica oficial, o autor, ciente das enfermidades que o acometiam e plenamente a par de que poderia ser lotado em cidade com clima desfavorável à sua doença deu causa à situação enfrentada quando decidiu tomar posse no cargo público ao qual foi aprovado em localidade diversa da qual residia.

Com base nesse entendimento, a Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) deu provimento à apelação da União contra a sentença, da 5ª Vara Federal da Seção Judiciária do Estado do Pará/PA, que deferiu o pedido de remoção do servidor da cidade de Parauapebas/PA, por motivo de saúde, para uma vara do trabalho na cidade de Belém/PA.

O requerente, servidor público federal aprovado para o cargo de técnico judiciário em concurso nas vagas destinadas a deficientes físicos, solicitou sua remoção para uma das Varas do Trabalho de Belém alegando que vem enfrentando sérios problemas de saúde relacionados à inflamação crônica no olho esquerdo e que seu quadro clínico vem se agravando por motivos ligados ao clima.

Consta dos autos que o candidato tomou posse no Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região (TRT) da 8ª Região em dezembro de 2010 e já no ano de 2011 requereu administrativamente sua remoção. As doenças, descritas nos autos, são preexistentes à posse do impetrante no cargo público, e mesmo antes de ingressar no TRT ele já fazia tratamento da doença em sua cidade natal, Belo Horizonte/MG. Ademais, segundo os relatos médicos, sempre houve a necessidade de acompanhamento especializado em MG em virtude de o clima melhorar o seu quadro clínico.

O relator do caso, desembargador federal João Luiz de Sousa, não obstante a comprovação das patologias por junta médica oficial, a parte autora, ciente das enfermidades que o acometiam, e, plenamente a par de que poderia ser lotado em cidade com clima desfavorável à sua doença, foi, por livre e espontânea vontade, quem deu causa a situação enfrentada, quando decidiu tomar posse no cargo público ao qual foi aprovado.

Para o magistrado, os entreveros alegados pela parte autora são comuns ao próprio do estado para o qual o candidato prestou o certame, asseverou o relator, tais como o calor e a umidade. Notório também que a capital, Belém, por se tratar de grande centro urbano, tem poluição mais acentuada que as cidades do interior. Assim, diante das peculiaridades do caso e com base no princípio constitucional da legalidade, o interesse da parte autora, carente de justa causa, em coexistência com o interesse da administração pública, não tem o condão de outorgar a pretendida remoção, concluiu o relator.

A decisão do Colegiado foi unânime.

Processo nº: 0032651-74.2011.4.01.3900

Fonte: Tribunal Regional Federal da 1ª Região

Temas para seminários - Privatização de presídios





Em tempos de crescimento de população carcerária e superlotação de presídios, naturalmente ressurge a discussão acerca da privatização ou terceirização de presídios.

Em 1834, Jeremy Bentham foi o primeiro autor a propor a concessão de contrato de administração de penitenciárias a fim de satisfazer interesses econômicos privados. Tal idéia não prosperou, tendo voltado à baila, novamente, nos anos 80 do século passado durante o Governo Reagan. Nos últimos 25 anos, a população carcerária americana cresceu continuamente (2,3% em 2007), chegando ao astronômico patamar de mais de 2.300.000 pessoas encarceradas (um em cada 99 adultos está preso). Tal fenômeno criou um sistema, chamado por Nils Christie, de a “indústria do controle do crime”. Cadeia é um negócio — e dos lucrativos —, o que talvez explique o interesse em se continuar a encarcerar pessoas por fatos muitas vezes irrelevantes. Cá como lá, o interesse empresarial na construção de cárceres privados atende a uma demanda. Ou, se preferirmos, a demanda é criada por esses interesses. Se o produto é o resultado dos fatores, cuja ordem é irrelevante, o fato é que temos mais de 430.000 presos nas penitenciárias e cadeias do Brasil. Isso dá um índice de 227 presos por 100.000 habitantes (conforme dados do Depen, consolidados em julho de 2007).

Nos EUA, duas empresas (Correction Corpora­tion of America e Wackenhut Corrections Corpo­ration) controlam dois terços do “mercado” de encarceramento privado. E, por óbvio, o que é bom para eles haverá de ser bom para nós. Ocorre que a situação não é tão simples, esbarrando em questões legais, além das questões éticas. A diferença entre Brasil e EUA é que ao contrário do que ocorre lá, não se admite por aqui uma execução penal que não seja jurisdicionalizada. Isto faz com que, legalmente, somente as atividades de execução material possam ser privatizadas. No Brasil isso sempre existiu em maior ou menor escala. Qualquer um sabe que em uma pequena cadeia pública do interior do país, quem fornece a comida da cadeia é a dona da pensão ou um restaurante da cidade. A inviabilidade para se fazer comida em pequenas instituições carcerárias obriga o Estado a comprá-la de terceiros. Tempos houve em que o encarceramento era cumprido na parte térrea, quando não nos porões, dos prédios das Câmaras provinciais de representantes e que não havia comida dada pelo Estado ou por empresas. Ficavam os presos dependendo das esmolas daqueles que passavam pelas ruas. Mas ao menos as vicissitudes daqueles que estavam no andar de baixo se constituíam em um alerta para aqueles que passavam pelo andar de cima.

De outra parte, as atividades inerentes à execução, sejam elas em sentido amplo ou estrito (jurisdicional), não admitem privatização. E esbarram em problemas éticos. “Numa penitenciária pri­va­ti­za­da, por exemplo, em que o preso é convertido em mão-de-obra compulsória, de que modo enquadrar seus deveres, como condenado judicial, com seus direitos trabalhistas, enquanto operário? De que maneira enquadrar esses direitos e deveres previstos em lei com as normas internas de segurança impostas pelas firmas de vigilância e voltadas para os ganhos de produtividade? Qual o interesse dessas firmas, cujas ‘fábricas’ podem enfrentar problemas de flutuação de mão-de-obra, em ressocializar os presos que se revelarem excelentes trabalhadores em suas linhas de montagem?”(1)

Se a execução penal é uma atividade jurisdicional e, como se sabe, a atividade jurisdicional é indelegável, por certo que a administração penitenciária também o será. “Ao princípio ético da liberdade individual, corresponde a garantia constitucional do direito à liberdade. Essa garantia reconhece, no âmbito da ordem jurídica, o comando ético segundo o qual não será moralmente válido a um homem exercer sobre outro qualquer espécie de poder, que se manifeste pela força. A única coação moralmente válida é a exercida pelo Estado através da imposição e execução de penas ou outras sanções. Portanto, o Estado, seja do ponto de vista moral, seja do ponto de vista jurídico, não está legitimado para transferir a uma pessoa, natural ou jurídica, o poder de coação de que está investido e que é exclusivamente seu, por ser, tal poder, violador do direito de liberdade.”(2)

Evandro Lins e Silva acrescentava um argumento prático curioso. Imagine que uma organização criminosa queira lavar dinheiro através da exploração da atividade privada de administração prisional. Não seria um risco o Estado transferir à empresa a mão-de-obra para tal empreendimento privado de lavagem de dinheiro?(3) Não ficaria o Estado vinculado a uma confusão evitável?

O fato é que os presídios privados só dão lucro na exata medida em que existe um mecanismo regulador estatal. Os operários são selecionados e trabalham somente sob a ameaça de retorno ao presídio público. Penitenciárias públicas e privadas são modelos simbióticos. A suposta qualidade de uma depende da suposta ineficiência da outra. O sistema privado só se viabiliza economicamente se houver a ineficiência do público. A pergunta final passa a ser: é razoável que, para a satisfação dos interesses de alguns poucos presos, tenhamos que sacrificar todos os demais?

Notas

(1) FARIA, José Eduardo. Privatização de Presídios e Criminalidade: A Gestão da Violência no Capitalismo. São Paulo: Max Limonad, 2000, pp. 16-17.

(2) ARAÚJO Jr., João Marcello (org.). Privatização das Prisões. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, pp. 12-13.
(3) Op. Cit., p. 20.

Temas para seminários - LICITUDE DE COMPROMISSO ARBITRAL EM CONTRATO ADMINISTRATIVO MESMO QUANDO O EDITAL NÃO PREVIU A ARBITRAGEM - COMENTÁRIOS AO RESP 904.813/PR


RECURSO ESPECIAL Nº 904.813 - PR (2006⁄0038111-2)

RECORRENTE     :        COMPANHIA PARANAENSE DE GÁS NATURAL - COMPAGAS
ADVOGADO        :        LEONARDO PERES DA ROCHA E SILVA E OUTRO(S)
RECORRIDO        :        CONSÓRCIO CARIOCA PASSARELLI
ADVOGADO        :        LUIZ ANTONIO BETTIOL E OUTRO(S)

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora):

Trata-se de recurso especial interposto por COMPANHIA PARANAENSE DE GÁS NATURAL - COMPAGAS, com base no art. 105, III, “a” e “c”, da Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Paraná (TJ⁄PR).

Ação: declaratória de nulidade de compromisso arbitral, proposta por COMPANHIA PARANAENSE DE GÁS NATURAL – COMPAGAS em face de CONSÓRCIO CARIOCA PASSARELLI. Aduz a autora, em suma, que (i) a arbitragem não estava prevista no edital de licitação; (ii) indisponibilidade do interesse público envolvido; e (iii) ausência de cumprimento dos requisitos legais para a instauração de uma arbitragem válida.

Contestação: o CONSÓRCIO CARIOCA PASSARELLI arguiu, preliminarmente, a falta de interesse de agir da autora e, no mérito, que: (i) há incidência das regras de direito privado no negócio jurídico celebrado entre as partes; (ii) a autora, na condição de sociedade de economia mista, pode participar de procedimento arbitral; e (iii) a discussão tem natureza estritamente pecuniária e, portanto, é perfeitamente compatível com o procedimento arbitral.

Sentença: julgou improcedente ação, sob o fundamento de que “a controvérsia levada ao juízo arbitral se refere exclusivamente à recomposição da equação econômico financeira, decorrente de atrasos no início da execução da obra contratada. Por conseguinte não há que se falar em direito indisponível, e, portanto, nada obsta a solução do conflito através do juízo arbitral. Ademais, não se vislumbra qualquer irregularidade quando à delimitação do objeto do compromisso arbitral” e desnecessária a indicação de árbitro substituto (e-STJ fls. 543⁄553). Foi interposta apelação pela COMPANHIA PARANAENSE DE GÁS NATURAL – COMPAGAS (e-STJ fls. 572⁄585).

Acórdão: o TJ⁄PR negou provimento ao recurso, conforme a seguinte ementa (e-STJ fls. 700⁄708):


COMPROMISSO ARBITRAL – SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA – PERSONALIDADE JURÍDICA DE DIREITO PRIVADO – EXPLORAÇÃO DE GÁS CANALIZADO NÃO CARACTERIZA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO PÚBLICO, MAS ATIVIDADE DE REGIME PRIVADO – NÃO ENVOLVE DIREITOS INDISPONÍVEIS – CONTRATO ADMINISTRATIVO – ADMISSIBILIDADE DA ARBITRAGEM – VÍCIOS DO COMPROMISSO NÃO CONFIGURADOS.

A atividade desenvolvida pela autora, ou seja, a exploração dos serviços de gás canalizado, não constitui prestação de serviço público, mas atividade que se compreende no regime jurídico próprio das empresas privadas (Constituição Federal, art. 173, §1º, II). O fato de envolver licitação não significa obstáculo para que as partes resolvam seus conflitos por arbitragem. Admissível nos contratos administrativos a solução dos conflitos por meio de compromisso arbitral.

Embargos de Declaração: interpostos pela recorrente (e-STJ fls. 710⁄714), foram rejeitados (e-STJ fls. 720⁄724).
Recurso especial: interposto por COMPANHIA PARANAENSE DE GÁS NATURAL – COMPAGAS, com base nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional (e-STJ fls. 837⁄854), aponta violação dos seguintes dispositivos legais:

(i) arts. 41; 49; 54 e 59 da Lei 8.666⁄93, em virtude da “falta de previsão no certame licitatório acerca da solução de conflitos por meio de arbitragem” (e-STJ fls. 844), estando previsto, outrossim, o foro da Comarca de Curitiba-PR como competente para dirimir eventuais conflitos entre as partes;

(ii) arts. 9º; 10, III, e IV; e 32, IV, da Lei 9.307⁄96, porquanto o acórdão recorrido “entendeu que o compromisso arbitral que instituiu a arbitragem é válido e eficaz, mesmo sem ter objeto determinado” (e-STJ fls. 846);

(iii) arts. 7º e 16, §2º, da Lei 9.307⁄96, em razão de ter sido “proferida sentença arbitral por somente dois árbitros, e não três como determinava o compromisso” e a “Recorrida não buscou meios para que fosse nomeado novo árbitro” (e-STJ fls. 848).

O dissídio jurisprudencial, por sua vez, estaria configurado entre o acórdão recorrido e aqueles proferidos: (i) na AC 1999.01.1.083360-3, pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal; (ii) na AC 70005726070 e AC 70005680558, pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul; os quais teriam reconhecido a necessidade de “intervenção do Poder Judiciário para nomeação de árbitro no caso de inércia das partes” (e-STJ fls. 852).

Exame de admissibilidade: o recurso foi inadmitido na origem pelo TJ⁄PR (e-STJ fls. 986⁄989), tendo sido interposto agravo de instrumento da decisão denegatória, que foi provido para determinar a subida do especial (e-STJ fls. 1.066).

Em virtude de decisão anteriormente proferida no REsp 693.219⁄PR, reconheci a minha prevenção para julgamento do recurso, nos termos do art. 71 do RISTJ (e-STJ fls. 1.099).

É o relatório.

RECURSO ESPECIAL Nº 904.813 - PR (2006⁄0038111-2)

RELATORA :        MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE     :        COMPANHIA PARANAENSE DE GÁS NATURAL - COMPAGAS
ADVOGADO        :        LEONARDO PERES DA ROCHA E SILVA E OUTRO(S)
RECORRIDO        :        CONSÓRCIO CARIOCA PASSARELLI
ADVOGADO        :        LUIZ ANTONIO BETTIOL E OUTRO(S)

VOTO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora):

Cinge-se a controvérsia a verificar (i) se a ausência de previsão da arbitragem, no edital de licitação, torna nulo o compromisso arbitral posteriormente firmado entre as partes e (ii) se é nula a decisão proferida apenas por dois árbitros, em razão da não intervenção do Poder Judiciário para nomeação do terceiro árbitro.

I – Da proibição de reexame de provas e interpretação de cláusula contratual.

A análise da suposta violação dos arts. 9º e 10, III, da Lei 9.307⁄96 implicaria o reexame das peculiaridades fáticas do caso, bem como interpretação das cláusulas do compromisso arbitral firmado entre as partes, o que é vedado em sede de recurso especial.

Com efeito, entendeu o Tribunal de origem, após analisar (i) as cláusulas específicas do compromisso arbitral firmado entre as partes – com assessoramento de advogado –, bem como (ii) os demais documentos juntados aos autos, notadamente, as atas de reuniões e troca de correspondências entre as partes, que o objeto da arbitragem estava bem definido no compromisso e, portanto, não havia qualquer nulidade, in verbis:

O objeto da arbitragem também se encontra bem definido no compromisso assumido pelas partes, uma vez que se cuida de cláusula fechada, se referindo a todas as divergências até então existentes entre as partes, o que pode ser constatado pelo simples exame das atas das reuniões e trocas de correspondências entre as litigantes. Não se cuida de objeto indefinido ou indeterminado como quer fazer crer a apelante. Sabia muito bem a apelante do que se tratava e o objeto do compromisso arbitral (e-STJ fls. 707).

Assim, para rever essa conclusão seria necessário analisar o conjunto fático probatório dos autos, além de interpretar cláusula contratual, o que é vedado em sede de recurso especial.
Incidência, na hipótese, do óbice das Súmulas nº 5 e 7, ambas do STJ.

II - Do Prequestionamento (ofensa ao art. 32, IV, da Lei 9.307⁄96 e art. 55, XIII, §2º, da Lei 8.666⁄93).

A respeito do art. 32, IV, da Lei 9.307⁄96, tido por violado, não houve emissão de juízo, pelo acórdão recorrido, apesar da oposição de embargos de declaração, ressentindo-se, portanto, o recurso especial do necessário prequestionamento.
Com efeito, não se discutiu a validade da sentença proferida pelo juízo arbitral. A pretensão da recorrente é anterior: a declaração de nulidade do compromisso arbitral, limitando-se o julgamento do Tribunal de origem a esse aspecto.

O Tribunal de origem também não apreciou a questão da necessidade de inserção de cláusula de eleição de foro no contrato celebrado em decorrência da licitação.

Incidem à espécie, portanto, as Súmulas 211⁄STJ e 282⁄STF.

Os demais dispositivos legais apontados pelo recorrente como violados foram prequestionados pelo acórdão recorrido, ainda que de maneira implícita, autorizando o exame do especial.

III – Da violação dos arts. 7º e 16, § 2º, da Lei 9.307⁄96.

O fundamento adotado pelo Tribunal de origem, para afastar a alegação de nulidade do compromisso arbitral em razão da decisão ter sido proferida apenas por dois árbitros, foi a obtenção da maioria. Com efeito, justificou o acórdão: “Na ausência do árbitro indicado pela autora a decisão se deu por maioria, com fundamento no art. 24, §1º, da Lei 9.307⁄96” (e-STJ fls. 707).

Observe-se que “O extremo cuidado do legislador em exigir um número ímpar de árbitros (...) é plenamente justificável. O sistema é todo estruturado de forma a evitar empates” (ALEXANDRE FREITAS CÂMARA, Arbitragem – Lei 9.307-96, 4ªed., Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2005, p. 52).

Na hipótese, não se verificou empate, mas decisão por maioria. Ou seja, foi alcançado o resultado pretendido pelo legislador, inobstante o árbitro nomeado pela recorrente ter deixado de participar do procedimento.

Ocorre que esse fundamento não foi abordado nas razões recursais, fazendo incidir à espécie, pois, a Súmula 283 do STF, que obsta o conhecimento do especial pra analisar suposta violação dos arts. 7º e 16, §2º, da Lei 9.307⁄96.

IV – Da violação do art. 41 da Lei 8.666⁄93

A recorrente aduz que o acórdão recorrido, “ao reconhecer a possibilidade das partes se submeterem ao juízo arbitral, quando tal disposição não estava contida no edital de licitação” viola o disposto no art. 41 da Lei 8.666⁄93.

Observa, ainda, que “havendo previsão legal para a adoção da arbitragem, não há dúvida que essa saída para a solução de conflitos pode ocorrer. Mas quando nada dispuser o edital, o contrato ou qualquer lei que isso preveja, o conflito deve ser dirimido pelo Poder Judiciário” (e-STJ fls. 842).

E, na hipótese, conforme explica a recorrente, a arbitragem não estava prevista no edital de licitação, nem no contrato celebrado posteriormente, o qual dispunha, inclusive, sobre a competência do foro da Comarca de Curitiba-PR para dirimir as eventuais controvérsias existentes entre as partes, nos termos do art. 55, XIII, §2º, da Lei 8.666⁄93.

O acórdão recorrido, por sua vez, após extensa argumentação acerca da admissão da arbitragem para a resolução de conflitos que envolvam contratos administrativos celebrados por sociedades de economia mista, tendo em vista a disponibilidade dos interesses envolvidos e o regime jurídico de direito privado aplicável à hipótese (já que o contrato celebrado entre as partes não envolveria a prestação de serviço público), conclui que:

(i) “o fato de envolver licitação não significa obstáculo para que as partes resolvam seus conflitos por arbitragem” (e-STJ, fls. 703);

(ii) “admissível a realização de compromisso arbitral nos contratos administrativos” (e-STJ fls. 704).

De fato, tanto a doutrina como a jurisprudência já sinalizaram no sentido de que não existe óbice legal na estipulação da arbitragem pelo poder público, notadamente pelas sociedades de economia mista, admitindo como válidas as cláusulas compromissórias previstas em editais convocatórios de licitação e contratos.

Aliás, pelo contrário, exulta-se a utilização da arbitragem, diante da sua maior celeridade e especialidade em comparação com Poder Judiciário. Nas palavras do i. Professor THEMÍSTOCLES BRANDÃO, citado pelo ex-Ministro EROS GRAU:

Parece-me que a administração realiza muito melhor os seus fins e a sua tarefa, convocando as partes que com ela contratarem a resolver as controvérsias de direito e de fato perante o juízo arbitral, do que denegando o direito das pares, remetendo-as ao juízo ordinário ou prolongado o processo administrativo, com diligências intermináveis, sem um órgão diretamente responsável pela instrução do processo. ("Da Arbitrabilidade de Litígios Envolvendo Sociedades de Economia Mista e da Interpretação de Cláusula Compromissória. (in Revista de Direito Bancário do Mercado de Capitais e da Arbitragem, ano 5, out-dez⁄2002, p. 399)

No mesmo sentido, ARNOLD WALD e ANDRÉ SERRÃO:

O acesso à segurança jurídica, à celeridade e a especialização técnica de um tribunal arbitral podem constituir um interesse público primário, cuja indisponibilidade, ao contrário de proibir sua utilização, estaria a exigir que a Administração Pública viesse a valer-se da arbitragem” (in Revista de Arbitragem e Mediação, ano 5, v. 16, jan-mar⁄2008, p. 20).

Quando ainda era Desembargadora do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, também já me manifestei favoravelmente à arbitragem para a solução dos conflitos que envolviam sociedade de economia mista:

MANDADO DE SEGURANÇA - PÓLO PASSIVO - TEMPESTIVIDADE - LICITAÇÃO - INTERESSE PÚBLICO INDISPONÍVEL - JUÍZO ARBITRAL - DECRETO-LEI Nº 2.300 E LEI 8.666. POSSIBILIDADE.

(...)

III - Pelo art. 54, da Lei 8.666⁄93, os contratos administrativos regem-se pelas suas cláusulas e preceitos de direito público, aplicando-se-lhes supletivamente os princípios da teoria geral dos contratos e as disposições de direito privado, o que vem reforçar a possibilidade de adoção do Juízo arbitral para dirimir questões contratuais. (MS 199800200366-9, Conselho Especial, TJDF, J. 18.05.1999, DJ 18.08.1999, in Revista de Direito Bancário, do Mercado de Capitais e da Arbitragem, ano 3, v.8, 2000, p. 359-373)

Esta Corte também já se pronunciou acerca da viabilidade do juízo arbitral em contratos administrativos firmados por sociedades de economia mista, cumprindo citar alguns trechos do voto do Min. LUIZ FUX, proferido em sede do MS 11.308-DF, DJ 19.05.2008:

Destarte, as sociedades de economia mista encontram-se em situação paritária em relação às empresas privadas nas suas atividades comerciais, consoante leitura do artigo 173, § 1º, inciso II, da Constituição Federal, evidenciando-se a inocorrência de quaisquer restrições quanto à possibilidade de celebrarem convenções de arbitragem para solução de conflitos de interesses, máxime quando legitimadas para tal as suas congêneres.

Ainda que as sociedades de economia mista estejam inseridas na órbita da Administração Pública Indireta, é bem verdade que suas atividades restam disciplinadas, majoritariamente, pela disciplina negocial das empresas privadas, como por exemplo, a penhorabilidade dos seus bens, aplicando-se-lhes o direito público apenas subsidiariamente, naquilo que não for incompatível com o seu regime privado, como aos princípios insculpidos no artigo 37 da Constituição Federal.

Por sua vez, evitar que em um contrato administrativo, firmado entre partes de natureza comercial estipule-se cláusula arbitral é restringir aonde a lei não o fez. (sem destaque no original)

Assim também:

PROCESSO CIVIL. JUÍZO ARBITRAL. CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA. EXTINÇÃO DO PROCESSO. ART. 267, VII, DO CPC. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. DIREITOS DISPONÍVEIS.  EXTINÇÃO DA AÇÃO CAUTELAR PREPARATÓRIA POR INOBSERVÂNCIA DO PRAZO LEGAL PARA A PROPOSIÇÃO DA AÇÃO PRINCIPAL.

1. Cláusula compromissória é o ato por meio do qual as partes contratantes formalizam seu desejo de submeter à arbitragem eventuais divergências ou litígios passíveis de ocorrer ao longo da execução da avença. Efetuado o ajuste, que só pode ocorrer em hipóteses envolvendo direitos disponíveis, ficam os contratantes vinculados à solução extrajudicial da pendência.

2. A eleição da cláusula compromissória é causa de extinção do processo sem julgamento do mérito, nos termos do art. 267, inciso VII, do Código de Processo Civil.

3. São válidos e eficazes os contratos firmados pelas sociedades de economia mista exploradoras de atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços (CF, art. 173, § 1º) que estipulem cláusula compromissória submetendo à arbitragem eventuais litígios decorrentes do ajuste.

4.  Recurso especial parcialmente provido. (REsp 612439⁄RS, Rel. Min. João Otávio de Noronha, 2ª Turma, DJ 14⁄09⁄2006) (sem destaque no original).

A peculiaridade da hipótese analisada reside no fato de que, no contrato celebrado entre as partes, não foi estabelecida a arbitragem como meio de solução de controvérsias (cláusula compromissória). O compromisso arbitral foi firmado posteriormente pela concessionária recorrente.

Importante esclarecer que há uma clara distinção feita pela lei 9.307⁄96 entre as duas figuras jurídicas. Depreende-se da leitura dos seus arts. 8º e 9º que, enquanto a cláusula compromissória, inserida previamente nos contratos, é genérica e refere-se a eventuais futuros litígios, o compromisso arbitral é firmado posteriormente e pressupõe a existência de uma determinada controvérsia, sendo que as partes resolvem submetê-la ao juízo arbitral, firmando o compromisso em sede do próprio juízo ou Tribunal arbitral ou por meio de instrumento particular, como ocorreu na hipótese.

Todavia, o fato de não haver previsão da arbitragem no edital de licitação ou no contrato celebrado entre as partes, não invalida o compromisso arbitral firmado posteriormente.

O princípio da vinculação das partes ao edital de licitação (arts. 3º e 41 da Lei 8.666⁄93) tem por finalidade precípua estabelecer as regras do certame, assegurando a todos os participantes o prévio conhecimento acerca do objeto em disputa com precisão e clareza, possibilitando-lhes iguais condições no oferecimento e análise de suas propostas. Nas palavras de HELI LOPES MEIRELES, “o edital é a lei interna na licitação” (Licitação e Contrato Administrativo. 15ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 50-51), ou seja, visa-se garantir a lisura da licitação, no que respeita ao seu próprio conteúdo.

A previsão do juízo arbitral, em vez do foro da sede da administração (jurisdição estatal), para a solução de determinada controvérsia, não vulnera o conteúdo ou as regras do certame. Com efeito, não se pode dizer que a licitação teria outro resultado ou dela participariam mais ou menos concorrentes unicamente pelo fato de estar ou não previsto determinado foro para solução de controvérsias.

Embora seja cláusula obrigatória do contrato administrativo, nos termos do art. 55, XIII, §2º, da lei 8.666⁄93, a cláusula de foro não pode ser considerada essencial aos contratos administrativos. Com efeito, ensina-nos HELI LOPES MEIRELES:

(...) de um modo geral, são consideradas cláusulas essenciais ou necessárias em todo contrato administrativo as que: definam o objeto e seus elementos característicos, estabeleçam o regime de execução da obra ou do serviço, ou a modalidade de fornecimento; fixem o preço e as condições de pagamento, os critérios, data-base e periodicidade do reajustamento de preços, os critérios de atualização monetária entre a data do adimplemento das etapas da execução, conclusão, entrega, observação e recebimento definitivo, conforme o caso; indiquem o valor e os recursos para tender Às despesas contratuais, com a sua classificação funcional programática e a categoria econômica; discriminem os direitos o obrigações das partes e fixem as penalidades e o valor das multas; estabeleçam os casos de rescisão do contrato; prescrevam as condições de importação, a data e taxa de câmbio para conversão, quando for o caso (Op. Cit. p. 287).

No mesmo sentido: MARIA ADELAIDE DE CAMPOS FRANÇA, Lei de Licitações e Contratos da Administração Pública, São Paulo: Saraiva, 2010, p. 208.

Ademais, a referida cláusula de foro não é incompatível com o juízo arbitral. Dentre as várias razões apontadas pela doutrina, pode-se mencionar: a necessidade de atuação do Poder Judiciário para a concessão de medidas de urgência; para a execução da sentença arbitral; para a própria instituição da arbitragem quando uma das partes não a aceita de forma amigável. Nesse sentido: CARLOS ALBERTO CARMONA, Considerações sobre a cláusula compromissória e a eleição de foro, in Arbitragem – Estudos em homenagem ao Prof. Guido Fernandes da Silva Soares, São Paulo: Atlas, 2007, p. 37 e EROS ROBERTO GRAU, Op. Cit. p. 404).

Assim, ambas as cláusulas podem conviver harmonicamente, de modo que as áreas de abrangência de uma de outra são distintas, inexistindo qualquer conflito.

Especificamente, no âmbito do Poder Público, há ainda a questão da impossibilidade de instituição do juízo arbitral para dirimir determinadas controvérsias que envolvem direitos indisponíveis, sendo necessária, portanto, a atuação da jurisdição estatal, cuja competência será fixada pela cláusula de foro prevista obrigatoriamente nos contratos administrativos.

Esse, contudo, não é o caso dos autos, cujo objeto da arbitragem limita-se à discussão acerca da manutenção do equilíbrio econômico financeiro do contrato, ou seja, não envolve direitos indisponíveis. Com efeito, a controvérsia estabelecida entre as partes é de caráter eminentemente patrimonial e disponível, tanto assim que as partes poderiam tê-la solucionado diretamente, sem intervenção tanto da jurisdição estatal, como do juízo arbitral.

Preferiram, no entanto, optar pela arbitragem, mediante a celebração do compromisso arbitral, posteriormente impugnado pela recorrente. Observe-se que se tratou de um ato voluntário da administração – concessionária – submeter a controvérsia ao juízo arbitral, renunciando ao juízo estatal.

Nesse contexto, pode-se dizer que a atitude posterior da recorrente, de impugnar seu próprio ato, beira às raias da má-fé, além de ser evidentemente prejudicial ao próprio interesse público de ver resolvido o litígio de maneira mais célere.

Em suma, assim como a concessionária recorrente teria autonomia para resolver a controvérsia relativa ao equilíbrio econômico financeiro do contrato celebrado com a recorrida sem precisar de autorização legislativa ou de recorrer ao Poder Judiciário, haja vista a disponibilidade dos interesses envolvidos, ela também tem autonomia para eleger um árbitro que solucione a controvérsia.

Outrossim, uma vez firmado o compromisso e determinado o objeto da arbitragem, todas as demais controvérsias eventualmente existentes entre as partes, bem como as medidas de urgência ou de caráter executivo que envolvam a arbitragem, devem ser submetidas ao Poder Judiciário, no foro da sede da concessionária (Curitiba-PR), conforme cláusula inserta no contrato celebrado entre as partes, a qual, pelas razões supramencionadas, não é incompatível com o compromisso impugnado.

Inexiste, portanto, qualquer violação ao art. 41 da Lei de 8.666⁄93, pelo acórdão recorrido.

V – Do Dissídio Jurisprudencial

Entre os acórdãos trazidos à colação pela recorrente, não há o necessário cotejo analítico nem a comprovação da similitude fática, elementos indispensáveis à demonstração da divergência. Assim, a análise da existência do dissídio é inviável, porque não foram cumpridos os requisitos dos arts. 541, parágrafo único, do CPC e 255, §§ 1º e 2º, do RISTJ.

Forte nessas razões, NEGO PROVIMENTO ao recurso especial.


Documento: 18381589  RELATÓRIO E VOTO