sábado, 14 de dezembro de 2019

Temas para seminários - LICITUDE DE COMPROMISSO ARBITRAL EM CONTRATO ADMINISTRATIVO MESMO QUANDO O EDITAL NÃO PREVIU A ARBITRAGEM - COMENTÁRIOS AO RESP 904.813/PR


RECURSO ESPECIAL Nº 904.813 - PR (2006⁄0038111-2)

RECORRENTE     :        COMPANHIA PARANAENSE DE GÁS NATURAL - COMPAGAS
ADVOGADO        :        LEONARDO PERES DA ROCHA E SILVA E OUTRO(S)
RECORRIDO        :        CONSÓRCIO CARIOCA PASSARELLI
ADVOGADO        :        LUIZ ANTONIO BETTIOL E OUTRO(S)

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora):

Trata-se de recurso especial interposto por COMPANHIA PARANAENSE DE GÁS NATURAL - COMPAGAS, com base no art. 105, III, “a” e “c”, da Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Paraná (TJ⁄PR).

Ação: declaratória de nulidade de compromisso arbitral, proposta por COMPANHIA PARANAENSE DE GÁS NATURAL – COMPAGAS em face de CONSÓRCIO CARIOCA PASSARELLI. Aduz a autora, em suma, que (i) a arbitragem não estava prevista no edital de licitação; (ii) indisponibilidade do interesse público envolvido; e (iii) ausência de cumprimento dos requisitos legais para a instauração de uma arbitragem válida.

Contestação: o CONSÓRCIO CARIOCA PASSARELLI arguiu, preliminarmente, a falta de interesse de agir da autora e, no mérito, que: (i) há incidência das regras de direito privado no negócio jurídico celebrado entre as partes; (ii) a autora, na condição de sociedade de economia mista, pode participar de procedimento arbitral; e (iii) a discussão tem natureza estritamente pecuniária e, portanto, é perfeitamente compatível com o procedimento arbitral.

Sentença: julgou improcedente ação, sob o fundamento de que “a controvérsia levada ao juízo arbitral se refere exclusivamente à recomposição da equação econômico financeira, decorrente de atrasos no início da execução da obra contratada. Por conseguinte não há que se falar em direito indisponível, e, portanto, nada obsta a solução do conflito através do juízo arbitral. Ademais, não se vislumbra qualquer irregularidade quando à delimitação do objeto do compromisso arbitral” e desnecessária a indicação de árbitro substituto (e-STJ fls. 543⁄553). Foi interposta apelação pela COMPANHIA PARANAENSE DE GÁS NATURAL – COMPAGAS (e-STJ fls. 572⁄585).

Acórdão: o TJ⁄PR negou provimento ao recurso, conforme a seguinte ementa (e-STJ fls. 700⁄708):


COMPROMISSO ARBITRAL – SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA – PERSONALIDADE JURÍDICA DE DIREITO PRIVADO – EXPLORAÇÃO DE GÁS CANALIZADO NÃO CARACTERIZA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO PÚBLICO, MAS ATIVIDADE DE REGIME PRIVADO – NÃO ENVOLVE DIREITOS INDISPONÍVEIS – CONTRATO ADMINISTRATIVO – ADMISSIBILIDADE DA ARBITRAGEM – VÍCIOS DO COMPROMISSO NÃO CONFIGURADOS.

A atividade desenvolvida pela autora, ou seja, a exploração dos serviços de gás canalizado, não constitui prestação de serviço público, mas atividade que se compreende no regime jurídico próprio das empresas privadas (Constituição Federal, art. 173, §1º, II). O fato de envolver licitação não significa obstáculo para que as partes resolvam seus conflitos por arbitragem. Admissível nos contratos administrativos a solução dos conflitos por meio de compromisso arbitral.

Embargos de Declaração: interpostos pela recorrente (e-STJ fls. 710⁄714), foram rejeitados (e-STJ fls. 720⁄724).
Recurso especial: interposto por COMPANHIA PARANAENSE DE GÁS NATURAL – COMPAGAS, com base nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional (e-STJ fls. 837⁄854), aponta violação dos seguintes dispositivos legais:

(i) arts. 41; 49; 54 e 59 da Lei 8.666⁄93, em virtude da “falta de previsão no certame licitatório acerca da solução de conflitos por meio de arbitragem” (e-STJ fls. 844), estando previsto, outrossim, o foro da Comarca de Curitiba-PR como competente para dirimir eventuais conflitos entre as partes;

(ii) arts. 9º; 10, III, e IV; e 32, IV, da Lei 9.307⁄96, porquanto o acórdão recorrido “entendeu que o compromisso arbitral que instituiu a arbitragem é válido e eficaz, mesmo sem ter objeto determinado” (e-STJ fls. 846);

(iii) arts. 7º e 16, §2º, da Lei 9.307⁄96, em razão de ter sido “proferida sentença arbitral por somente dois árbitros, e não três como determinava o compromisso” e a “Recorrida não buscou meios para que fosse nomeado novo árbitro” (e-STJ fls. 848).

O dissídio jurisprudencial, por sua vez, estaria configurado entre o acórdão recorrido e aqueles proferidos: (i) na AC 1999.01.1.083360-3, pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal; (ii) na AC 70005726070 e AC 70005680558, pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul; os quais teriam reconhecido a necessidade de “intervenção do Poder Judiciário para nomeação de árbitro no caso de inércia das partes” (e-STJ fls. 852).

Exame de admissibilidade: o recurso foi inadmitido na origem pelo TJ⁄PR (e-STJ fls. 986⁄989), tendo sido interposto agravo de instrumento da decisão denegatória, que foi provido para determinar a subida do especial (e-STJ fls. 1.066).

Em virtude de decisão anteriormente proferida no REsp 693.219⁄PR, reconheci a minha prevenção para julgamento do recurso, nos termos do art. 71 do RISTJ (e-STJ fls. 1.099).

É o relatório.

RECURSO ESPECIAL Nº 904.813 - PR (2006⁄0038111-2)

RELATORA :        MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE     :        COMPANHIA PARANAENSE DE GÁS NATURAL - COMPAGAS
ADVOGADO        :        LEONARDO PERES DA ROCHA E SILVA E OUTRO(S)
RECORRIDO        :        CONSÓRCIO CARIOCA PASSARELLI
ADVOGADO        :        LUIZ ANTONIO BETTIOL E OUTRO(S)

VOTO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora):

Cinge-se a controvérsia a verificar (i) se a ausência de previsão da arbitragem, no edital de licitação, torna nulo o compromisso arbitral posteriormente firmado entre as partes e (ii) se é nula a decisão proferida apenas por dois árbitros, em razão da não intervenção do Poder Judiciário para nomeação do terceiro árbitro.

I – Da proibição de reexame de provas e interpretação de cláusula contratual.

A análise da suposta violação dos arts. 9º e 10, III, da Lei 9.307⁄96 implicaria o reexame das peculiaridades fáticas do caso, bem como interpretação das cláusulas do compromisso arbitral firmado entre as partes, o que é vedado em sede de recurso especial.

Com efeito, entendeu o Tribunal de origem, após analisar (i) as cláusulas específicas do compromisso arbitral firmado entre as partes – com assessoramento de advogado –, bem como (ii) os demais documentos juntados aos autos, notadamente, as atas de reuniões e troca de correspondências entre as partes, que o objeto da arbitragem estava bem definido no compromisso e, portanto, não havia qualquer nulidade, in verbis:

O objeto da arbitragem também se encontra bem definido no compromisso assumido pelas partes, uma vez que se cuida de cláusula fechada, se referindo a todas as divergências até então existentes entre as partes, o que pode ser constatado pelo simples exame das atas das reuniões e trocas de correspondências entre as litigantes. Não se cuida de objeto indefinido ou indeterminado como quer fazer crer a apelante. Sabia muito bem a apelante do que se tratava e o objeto do compromisso arbitral (e-STJ fls. 707).

Assim, para rever essa conclusão seria necessário analisar o conjunto fático probatório dos autos, além de interpretar cláusula contratual, o que é vedado em sede de recurso especial.
Incidência, na hipótese, do óbice das Súmulas nº 5 e 7, ambas do STJ.

II - Do Prequestionamento (ofensa ao art. 32, IV, da Lei 9.307⁄96 e art. 55, XIII, §2º, da Lei 8.666⁄93).

A respeito do art. 32, IV, da Lei 9.307⁄96, tido por violado, não houve emissão de juízo, pelo acórdão recorrido, apesar da oposição de embargos de declaração, ressentindo-se, portanto, o recurso especial do necessário prequestionamento.
Com efeito, não se discutiu a validade da sentença proferida pelo juízo arbitral. A pretensão da recorrente é anterior: a declaração de nulidade do compromisso arbitral, limitando-se o julgamento do Tribunal de origem a esse aspecto.

O Tribunal de origem também não apreciou a questão da necessidade de inserção de cláusula de eleição de foro no contrato celebrado em decorrência da licitação.

Incidem à espécie, portanto, as Súmulas 211⁄STJ e 282⁄STF.

Os demais dispositivos legais apontados pelo recorrente como violados foram prequestionados pelo acórdão recorrido, ainda que de maneira implícita, autorizando o exame do especial.

III – Da violação dos arts. 7º e 16, § 2º, da Lei 9.307⁄96.

O fundamento adotado pelo Tribunal de origem, para afastar a alegação de nulidade do compromisso arbitral em razão da decisão ter sido proferida apenas por dois árbitros, foi a obtenção da maioria. Com efeito, justificou o acórdão: “Na ausência do árbitro indicado pela autora a decisão se deu por maioria, com fundamento no art. 24, §1º, da Lei 9.307⁄96” (e-STJ fls. 707).

Observe-se que “O extremo cuidado do legislador em exigir um número ímpar de árbitros (...) é plenamente justificável. O sistema é todo estruturado de forma a evitar empates” (ALEXANDRE FREITAS CÂMARA, Arbitragem – Lei 9.307-96, 4ªed., Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2005, p. 52).

Na hipótese, não se verificou empate, mas decisão por maioria. Ou seja, foi alcançado o resultado pretendido pelo legislador, inobstante o árbitro nomeado pela recorrente ter deixado de participar do procedimento.

Ocorre que esse fundamento não foi abordado nas razões recursais, fazendo incidir à espécie, pois, a Súmula 283 do STF, que obsta o conhecimento do especial pra analisar suposta violação dos arts. 7º e 16, §2º, da Lei 9.307⁄96.

IV – Da violação do art. 41 da Lei 8.666⁄93

A recorrente aduz que o acórdão recorrido, “ao reconhecer a possibilidade das partes se submeterem ao juízo arbitral, quando tal disposição não estava contida no edital de licitação” viola o disposto no art. 41 da Lei 8.666⁄93.

Observa, ainda, que “havendo previsão legal para a adoção da arbitragem, não há dúvida que essa saída para a solução de conflitos pode ocorrer. Mas quando nada dispuser o edital, o contrato ou qualquer lei que isso preveja, o conflito deve ser dirimido pelo Poder Judiciário” (e-STJ fls. 842).

E, na hipótese, conforme explica a recorrente, a arbitragem não estava prevista no edital de licitação, nem no contrato celebrado posteriormente, o qual dispunha, inclusive, sobre a competência do foro da Comarca de Curitiba-PR para dirimir as eventuais controvérsias existentes entre as partes, nos termos do art. 55, XIII, §2º, da Lei 8.666⁄93.

O acórdão recorrido, por sua vez, após extensa argumentação acerca da admissão da arbitragem para a resolução de conflitos que envolvam contratos administrativos celebrados por sociedades de economia mista, tendo em vista a disponibilidade dos interesses envolvidos e o regime jurídico de direito privado aplicável à hipótese (já que o contrato celebrado entre as partes não envolveria a prestação de serviço público), conclui que:

(i) “o fato de envolver licitação não significa obstáculo para que as partes resolvam seus conflitos por arbitragem” (e-STJ, fls. 703);

(ii) “admissível a realização de compromisso arbitral nos contratos administrativos” (e-STJ fls. 704).

De fato, tanto a doutrina como a jurisprudência já sinalizaram no sentido de que não existe óbice legal na estipulação da arbitragem pelo poder público, notadamente pelas sociedades de economia mista, admitindo como válidas as cláusulas compromissórias previstas em editais convocatórios de licitação e contratos.

Aliás, pelo contrário, exulta-se a utilização da arbitragem, diante da sua maior celeridade e especialidade em comparação com Poder Judiciário. Nas palavras do i. Professor THEMÍSTOCLES BRANDÃO, citado pelo ex-Ministro EROS GRAU:

Parece-me que a administração realiza muito melhor os seus fins e a sua tarefa, convocando as partes que com ela contratarem a resolver as controvérsias de direito e de fato perante o juízo arbitral, do que denegando o direito das pares, remetendo-as ao juízo ordinário ou prolongado o processo administrativo, com diligências intermináveis, sem um órgão diretamente responsável pela instrução do processo. ("Da Arbitrabilidade de Litígios Envolvendo Sociedades de Economia Mista e da Interpretação de Cláusula Compromissória. (in Revista de Direito Bancário do Mercado de Capitais e da Arbitragem, ano 5, out-dez⁄2002, p. 399)

No mesmo sentido, ARNOLD WALD e ANDRÉ SERRÃO:

O acesso à segurança jurídica, à celeridade e a especialização técnica de um tribunal arbitral podem constituir um interesse público primário, cuja indisponibilidade, ao contrário de proibir sua utilização, estaria a exigir que a Administração Pública viesse a valer-se da arbitragem” (in Revista de Arbitragem e Mediação, ano 5, v. 16, jan-mar⁄2008, p. 20).

Quando ainda era Desembargadora do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, também já me manifestei favoravelmente à arbitragem para a solução dos conflitos que envolviam sociedade de economia mista:

MANDADO DE SEGURANÇA - PÓLO PASSIVO - TEMPESTIVIDADE - LICITAÇÃO - INTERESSE PÚBLICO INDISPONÍVEL - JUÍZO ARBITRAL - DECRETO-LEI Nº 2.300 E LEI 8.666. POSSIBILIDADE.

(...)

III - Pelo art. 54, da Lei 8.666⁄93, os contratos administrativos regem-se pelas suas cláusulas e preceitos de direito público, aplicando-se-lhes supletivamente os princípios da teoria geral dos contratos e as disposições de direito privado, o que vem reforçar a possibilidade de adoção do Juízo arbitral para dirimir questões contratuais. (MS 199800200366-9, Conselho Especial, TJDF, J. 18.05.1999, DJ 18.08.1999, in Revista de Direito Bancário, do Mercado de Capitais e da Arbitragem, ano 3, v.8, 2000, p. 359-373)

Esta Corte também já se pronunciou acerca da viabilidade do juízo arbitral em contratos administrativos firmados por sociedades de economia mista, cumprindo citar alguns trechos do voto do Min. LUIZ FUX, proferido em sede do MS 11.308-DF, DJ 19.05.2008:

Destarte, as sociedades de economia mista encontram-se em situação paritária em relação às empresas privadas nas suas atividades comerciais, consoante leitura do artigo 173, § 1º, inciso II, da Constituição Federal, evidenciando-se a inocorrência de quaisquer restrições quanto à possibilidade de celebrarem convenções de arbitragem para solução de conflitos de interesses, máxime quando legitimadas para tal as suas congêneres.

Ainda que as sociedades de economia mista estejam inseridas na órbita da Administração Pública Indireta, é bem verdade que suas atividades restam disciplinadas, majoritariamente, pela disciplina negocial das empresas privadas, como por exemplo, a penhorabilidade dos seus bens, aplicando-se-lhes o direito público apenas subsidiariamente, naquilo que não for incompatível com o seu regime privado, como aos princípios insculpidos no artigo 37 da Constituição Federal.

Por sua vez, evitar que em um contrato administrativo, firmado entre partes de natureza comercial estipule-se cláusula arbitral é restringir aonde a lei não o fez. (sem destaque no original)

Assim também:

PROCESSO CIVIL. JUÍZO ARBITRAL. CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA. EXTINÇÃO DO PROCESSO. ART. 267, VII, DO CPC. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. DIREITOS DISPONÍVEIS.  EXTINÇÃO DA AÇÃO CAUTELAR PREPARATÓRIA POR INOBSERVÂNCIA DO PRAZO LEGAL PARA A PROPOSIÇÃO DA AÇÃO PRINCIPAL.

1. Cláusula compromissória é o ato por meio do qual as partes contratantes formalizam seu desejo de submeter à arbitragem eventuais divergências ou litígios passíveis de ocorrer ao longo da execução da avença. Efetuado o ajuste, que só pode ocorrer em hipóteses envolvendo direitos disponíveis, ficam os contratantes vinculados à solução extrajudicial da pendência.

2. A eleição da cláusula compromissória é causa de extinção do processo sem julgamento do mérito, nos termos do art. 267, inciso VII, do Código de Processo Civil.

3. São válidos e eficazes os contratos firmados pelas sociedades de economia mista exploradoras de atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços (CF, art. 173, § 1º) que estipulem cláusula compromissória submetendo à arbitragem eventuais litígios decorrentes do ajuste.

4.  Recurso especial parcialmente provido. (REsp 612439⁄RS, Rel. Min. João Otávio de Noronha, 2ª Turma, DJ 14⁄09⁄2006) (sem destaque no original).

A peculiaridade da hipótese analisada reside no fato de que, no contrato celebrado entre as partes, não foi estabelecida a arbitragem como meio de solução de controvérsias (cláusula compromissória). O compromisso arbitral foi firmado posteriormente pela concessionária recorrente.

Importante esclarecer que há uma clara distinção feita pela lei 9.307⁄96 entre as duas figuras jurídicas. Depreende-se da leitura dos seus arts. 8º e 9º que, enquanto a cláusula compromissória, inserida previamente nos contratos, é genérica e refere-se a eventuais futuros litígios, o compromisso arbitral é firmado posteriormente e pressupõe a existência de uma determinada controvérsia, sendo que as partes resolvem submetê-la ao juízo arbitral, firmando o compromisso em sede do próprio juízo ou Tribunal arbitral ou por meio de instrumento particular, como ocorreu na hipótese.

Todavia, o fato de não haver previsão da arbitragem no edital de licitação ou no contrato celebrado entre as partes, não invalida o compromisso arbitral firmado posteriormente.

O princípio da vinculação das partes ao edital de licitação (arts. 3º e 41 da Lei 8.666⁄93) tem por finalidade precípua estabelecer as regras do certame, assegurando a todos os participantes o prévio conhecimento acerca do objeto em disputa com precisão e clareza, possibilitando-lhes iguais condições no oferecimento e análise de suas propostas. Nas palavras de HELI LOPES MEIRELES, “o edital é a lei interna na licitação” (Licitação e Contrato Administrativo. 15ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 50-51), ou seja, visa-se garantir a lisura da licitação, no que respeita ao seu próprio conteúdo.

A previsão do juízo arbitral, em vez do foro da sede da administração (jurisdição estatal), para a solução de determinada controvérsia, não vulnera o conteúdo ou as regras do certame. Com efeito, não se pode dizer que a licitação teria outro resultado ou dela participariam mais ou menos concorrentes unicamente pelo fato de estar ou não previsto determinado foro para solução de controvérsias.

Embora seja cláusula obrigatória do contrato administrativo, nos termos do art. 55, XIII, §2º, da lei 8.666⁄93, a cláusula de foro não pode ser considerada essencial aos contratos administrativos. Com efeito, ensina-nos HELI LOPES MEIRELES:

(...) de um modo geral, são consideradas cláusulas essenciais ou necessárias em todo contrato administrativo as que: definam o objeto e seus elementos característicos, estabeleçam o regime de execução da obra ou do serviço, ou a modalidade de fornecimento; fixem o preço e as condições de pagamento, os critérios, data-base e periodicidade do reajustamento de preços, os critérios de atualização monetária entre a data do adimplemento das etapas da execução, conclusão, entrega, observação e recebimento definitivo, conforme o caso; indiquem o valor e os recursos para tender Às despesas contratuais, com a sua classificação funcional programática e a categoria econômica; discriminem os direitos o obrigações das partes e fixem as penalidades e o valor das multas; estabeleçam os casos de rescisão do contrato; prescrevam as condições de importação, a data e taxa de câmbio para conversão, quando for o caso (Op. Cit. p. 287).

No mesmo sentido: MARIA ADELAIDE DE CAMPOS FRANÇA, Lei de Licitações e Contratos da Administração Pública, São Paulo: Saraiva, 2010, p. 208.

Ademais, a referida cláusula de foro não é incompatível com o juízo arbitral. Dentre as várias razões apontadas pela doutrina, pode-se mencionar: a necessidade de atuação do Poder Judiciário para a concessão de medidas de urgência; para a execução da sentença arbitral; para a própria instituição da arbitragem quando uma das partes não a aceita de forma amigável. Nesse sentido: CARLOS ALBERTO CARMONA, Considerações sobre a cláusula compromissória e a eleição de foro, in Arbitragem – Estudos em homenagem ao Prof. Guido Fernandes da Silva Soares, São Paulo: Atlas, 2007, p. 37 e EROS ROBERTO GRAU, Op. Cit. p. 404).

Assim, ambas as cláusulas podem conviver harmonicamente, de modo que as áreas de abrangência de uma de outra são distintas, inexistindo qualquer conflito.

Especificamente, no âmbito do Poder Público, há ainda a questão da impossibilidade de instituição do juízo arbitral para dirimir determinadas controvérsias que envolvem direitos indisponíveis, sendo necessária, portanto, a atuação da jurisdição estatal, cuja competência será fixada pela cláusula de foro prevista obrigatoriamente nos contratos administrativos.

Esse, contudo, não é o caso dos autos, cujo objeto da arbitragem limita-se à discussão acerca da manutenção do equilíbrio econômico financeiro do contrato, ou seja, não envolve direitos indisponíveis. Com efeito, a controvérsia estabelecida entre as partes é de caráter eminentemente patrimonial e disponível, tanto assim que as partes poderiam tê-la solucionado diretamente, sem intervenção tanto da jurisdição estatal, como do juízo arbitral.

Preferiram, no entanto, optar pela arbitragem, mediante a celebração do compromisso arbitral, posteriormente impugnado pela recorrente. Observe-se que se tratou de um ato voluntário da administração – concessionária – submeter a controvérsia ao juízo arbitral, renunciando ao juízo estatal.

Nesse contexto, pode-se dizer que a atitude posterior da recorrente, de impugnar seu próprio ato, beira às raias da má-fé, além de ser evidentemente prejudicial ao próprio interesse público de ver resolvido o litígio de maneira mais célere.

Em suma, assim como a concessionária recorrente teria autonomia para resolver a controvérsia relativa ao equilíbrio econômico financeiro do contrato celebrado com a recorrida sem precisar de autorização legislativa ou de recorrer ao Poder Judiciário, haja vista a disponibilidade dos interesses envolvidos, ela também tem autonomia para eleger um árbitro que solucione a controvérsia.

Outrossim, uma vez firmado o compromisso e determinado o objeto da arbitragem, todas as demais controvérsias eventualmente existentes entre as partes, bem como as medidas de urgência ou de caráter executivo que envolvam a arbitragem, devem ser submetidas ao Poder Judiciário, no foro da sede da concessionária (Curitiba-PR), conforme cláusula inserta no contrato celebrado entre as partes, a qual, pelas razões supramencionadas, não é incompatível com o compromisso impugnado.

Inexiste, portanto, qualquer violação ao art. 41 da Lei de 8.666⁄93, pelo acórdão recorrido.

V – Do Dissídio Jurisprudencial

Entre os acórdãos trazidos à colação pela recorrente, não há o necessário cotejo analítico nem a comprovação da similitude fática, elementos indispensáveis à demonstração da divergência. Assim, a análise da existência do dissídio é inviável, porque não foram cumpridos os requisitos dos arts. 541, parágrafo único, do CPC e 255, §§ 1º e 2º, do RISTJ.

Forte nessas razões, NEGO PROVIMENTO ao recurso especial.


Documento: 18381589  RELATÓRIO E VOTO    

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