RECURSO ESPECIAL
Nº 904.813 - PR (2006⁄0038111-2)
RECORRENTE : COMPANHIA
PARANAENSE DE GÁS NATURAL - COMPAGAS
ADVOGADO : LEONARDO
PERES DA ROCHA E SILVA E OUTRO(S)
RECORRIDO : CONSÓRCIO
CARIOCA PASSARELLI
ADVOGADO : LUIZ
ANTONIO BETTIOL E OUTRO(S)
RELATÓRIO
A EXMA. SRA.
MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora):
Trata-se de
recurso especial interposto por COMPANHIA PARANAENSE DE GÁS NATURAL - COMPAGAS,
com base no art. 105, III, “a” e “c”, da Constituição Federal, contra acórdão
proferido pelo Tribunal de Justiça do Paraná (TJ⁄PR).
Ação:
declaratória de nulidade de compromisso arbitral, proposta por COMPANHIA
PARANAENSE DE GÁS NATURAL – COMPAGAS em face de CONSÓRCIO CARIOCA PASSARELLI.
Aduz a autora, em suma, que (i) a arbitragem não estava prevista no edital de
licitação; (ii) indisponibilidade do interesse público envolvido; e (iii)
ausência de cumprimento dos requisitos legais para a instauração de uma
arbitragem válida.
Contestação: o
CONSÓRCIO CARIOCA PASSARELLI arguiu, preliminarmente, a falta de interesse de
agir da autora e, no mérito, que: (i) há incidência das regras de direito
privado no negócio jurídico celebrado entre as partes; (ii) a autora, na
condição de sociedade de economia mista, pode participar de procedimento
arbitral; e (iii) a discussão tem natureza estritamente pecuniária e, portanto,
é perfeitamente compatível com o procedimento arbitral.
Sentença: julgou
improcedente ação, sob o fundamento de que “a controvérsia levada ao juízo
arbitral se refere exclusivamente à recomposição da equação econômico
financeira, decorrente de atrasos no início da execução da obra contratada. Por
conseguinte não há que se falar em direito indisponível, e, portanto, nada
obsta a solução do conflito através do juízo arbitral. Ademais, não se
vislumbra qualquer irregularidade quando à delimitação do objeto do compromisso
arbitral” e desnecessária a indicação de árbitro substituto (e-STJ fls.
543⁄553). Foi interposta apelação pela COMPANHIA PARANAENSE DE GÁS NATURAL –
COMPAGAS (e-STJ fls. 572⁄585).
Acórdão: o TJ⁄PR
negou provimento ao recurso, conforme a seguinte ementa (e-STJ fls. 700⁄708):
COMPROMISSO
ARBITRAL – SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA – PERSONALIDADE JURÍDICA DE DIREITO
PRIVADO – EXPLORAÇÃO DE GÁS CANALIZADO NÃO CARACTERIZA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO
PÚBLICO, MAS ATIVIDADE DE REGIME PRIVADO – NÃO ENVOLVE DIREITOS INDISPONÍVEIS –
CONTRATO ADMINISTRATIVO – ADMISSIBILIDADE DA ARBITRAGEM – VÍCIOS DO COMPROMISSO
NÃO CONFIGURADOS.
A atividade
desenvolvida pela autora, ou seja, a exploração dos serviços de gás canalizado,
não constitui prestação de serviço público, mas atividade que se compreende no
regime jurídico próprio das empresas privadas (Constituição Federal, art. 173,
§1º, II). O fato de envolver licitação não significa obstáculo para que as
partes resolvam seus conflitos por arbitragem. Admissível nos contratos
administrativos a solução dos conflitos por meio de compromisso arbitral.
Embargos de
Declaração: interpostos pela recorrente (e-STJ fls. 710⁄714), foram rejeitados
(e-STJ fls. 720⁄724).
Recurso
especial: interposto por COMPANHIA PARANAENSE DE GÁS NATURAL – COMPAGAS, com
base nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional (e-STJ fls. 837⁄854),
aponta violação dos seguintes dispositivos legais:
(i) arts. 41;
49; 54 e 59 da Lei 8.666⁄93, em virtude da “falta de previsão no certame
licitatório acerca da solução de conflitos por meio de arbitragem” (e-STJ fls.
844), estando previsto, outrossim, o foro da Comarca de Curitiba-PR como
competente para dirimir eventuais conflitos entre as partes;
(ii) arts. 9º;
10, III, e IV; e 32, IV, da Lei 9.307⁄96, porquanto o acórdão recorrido
“entendeu que o compromisso arbitral que instituiu a arbitragem é válido e
eficaz, mesmo sem ter objeto determinado” (e-STJ fls. 846);
(iii) arts. 7º e
16, §2º, da Lei 9.307⁄96, em razão de ter sido “proferida sentença arbitral por
somente dois árbitros, e não três como determinava o compromisso” e a
“Recorrida não buscou meios para que fosse nomeado novo árbitro” (e-STJ fls.
848).
O dissídio
jurisprudencial, por sua vez, estaria configurado entre o acórdão recorrido e
aqueles proferidos: (i) na AC 1999.01.1.083360-3, pelo Tribunal de Justiça do
Distrito Federal; (ii) na AC 70005726070 e AC 70005680558, pelo Tribunal de
Justiça do Estado do Rio Grande do Sul; os quais teriam reconhecido a
necessidade de “intervenção do Poder Judiciário para nomeação de árbitro no
caso de inércia das partes” (e-STJ fls. 852).
Exame de
admissibilidade: o recurso foi inadmitido na origem pelo TJ⁄PR (e-STJ fls.
986⁄989), tendo sido interposto agravo de instrumento da decisão denegatória,
que foi provido para determinar a subida do especial (e-STJ fls. 1.066).
Em virtude de
decisão anteriormente proferida no REsp 693.219⁄PR, reconheci a minha prevenção
para julgamento do recurso, nos termos do art. 71 do RISTJ (e-STJ fls. 1.099).
É o relatório.
RECURSO ESPECIAL
Nº 904.813 - PR (2006⁄0038111-2)
RELATORA : MINISTRA
NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : COMPANHIA
PARANAENSE DE GÁS NATURAL - COMPAGAS
ADVOGADO : LEONARDO
PERES DA ROCHA E SILVA E OUTRO(S)
RECORRIDO : CONSÓRCIO
CARIOCA PASSARELLI
ADVOGADO : LUIZ
ANTONIO BETTIOL E OUTRO(S)
VOTO
A EXMA. SRA.
MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora):
Cinge-se a
controvérsia a verificar (i) se a ausência de previsão da arbitragem, no edital
de licitação, torna nulo o compromisso arbitral posteriormente firmado entre as
partes e (ii) se é nula a decisão proferida apenas por dois árbitros, em razão
da não intervenção do Poder Judiciário para nomeação do terceiro árbitro.
I – Da proibição
de reexame de provas e interpretação de cláusula contratual.
A análise da
suposta violação dos arts. 9º e 10, III, da Lei 9.307⁄96 implicaria o reexame
das peculiaridades fáticas do caso, bem como interpretação das cláusulas do
compromisso arbitral firmado entre as partes, o que é vedado em sede de recurso
especial.
Com efeito,
entendeu o Tribunal de origem, após analisar (i) as cláusulas específicas do
compromisso arbitral firmado entre as partes – com assessoramento de advogado
–, bem como (ii) os demais documentos juntados aos autos, notadamente, as atas
de reuniões e troca de correspondências entre as partes, que o objeto da
arbitragem estava bem definido no compromisso e, portanto, não havia qualquer
nulidade, in verbis:
O objeto da
arbitragem também se encontra bem definido no compromisso assumido pelas
partes, uma vez que se cuida de cláusula fechada, se referindo a todas as
divergências até então existentes entre as partes, o que pode ser constatado
pelo simples exame das atas das reuniões e trocas de correspondências entre as
litigantes. Não se cuida de objeto indefinido ou indeterminado como quer fazer
crer a apelante. Sabia muito bem a apelante do que se tratava e o objeto do
compromisso arbitral (e-STJ fls. 707).
Assim, para
rever essa conclusão seria necessário analisar o conjunto fático probatório dos
autos, além de interpretar cláusula contratual, o que é vedado em sede de
recurso especial.
Incidência, na hipótese,
do óbice das Súmulas nº 5 e 7, ambas do STJ.
II - Do
Prequestionamento (ofensa ao art. 32, IV, da Lei 9.307⁄96 e art. 55, XIII, §2º,
da Lei 8.666⁄93).
A respeito do
art. 32, IV, da Lei 9.307⁄96, tido por violado, não houve emissão de juízo,
pelo acórdão recorrido, apesar da oposição de embargos de declaração,
ressentindo-se, portanto, o recurso especial do necessário prequestionamento.
Com efeito, não
se discutiu a validade da sentença proferida pelo juízo arbitral. A pretensão
da recorrente é anterior: a declaração de nulidade do compromisso arbitral,
limitando-se o julgamento do Tribunal de origem a esse aspecto.
O Tribunal de
origem também não apreciou a questão da necessidade de inserção de cláusula de
eleição de foro no contrato celebrado em decorrência da licitação.
Incidem à
espécie, portanto, as Súmulas 211⁄STJ e 282⁄STF.
Os demais
dispositivos legais apontados pelo recorrente como violados foram
prequestionados pelo acórdão recorrido, ainda que de maneira implícita,
autorizando o exame do especial.
III – Da
violação dos arts. 7º e 16, § 2º, da Lei 9.307⁄96.
O fundamento
adotado pelo Tribunal de origem, para afastar a alegação de nulidade do
compromisso arbitral em razão da decisão ter sido proferida apenas por dois
árbitros, foi a obtenção da maioria. Com efeito, justificou o acórdão: “Na
ausência do árbitro indicado pela autora a decisão se deu por maioria, com
fundamento no art. 24, §1º, da Lei 9.307⁄96” (e-STJ fls. 707).
Observe-se que
“O extremo cuidado do legislador em exigir um número ímpar de árbitros (...) é
plenamente justificável. O sistema é todo estruturado de forma a evitar
empates” (ALEXANDRE FREITAS CÂMARA, Arbitragem – Lei 9.307-96, 4ªed., Rio de
Janeiro: Lumen Iuris, 2005, p. 52).
Na hipótese, não
se verificou empate, mas decisão por maioria. Ou seja, foi alcançado o
resultado pretendido pelo legislador, inobstante o árbitro nomeado pela
recorrente ter deixado de participar do procedimento.
Ocorre que esse
fundamento não foi abordado nas razões recursais, fazendo incidir à espécie,
pois, a Súmula 283 do STF, que obsta o conhecimento do especial pra analisar
suposta violação dos arts. 7º e 16, §2º, da Lei 9.307⁄96.
IV – Da violação
do art. 41 da Lei 8.666⁄93
A recorrente
aduz que o acórdão recorrido, “ao reconhecer a possibilidade das partes se
submeterem ao juízo arbitral, quando tal disposição não estava contida no
edital de licitação” viola o disposto no art. 41 da Lei 8.666⁄93.
Observa, ainda,
que “havendo previsão legal para a adoção da arbitragem, não há dúvida que essa
saída para a solução de conflitos pode ocorrer. Mas quando nada dispuser o
edital, o contrato ou qualquer lei que isso preveja, o conflito deve ser
dirimido pelo Poder Judiciário” (e-STJ fls. 842).
E, na hipótese,
conforme explica a recorrente, a arbitragem não estava prevista no edital de
licitação, nem no contrato celebrado posteriormente, o qual dispunha,
inclusive, sobre a competência do foro da Comarca de Curitiba-PR para dirimir
as eventuais controvérsias existentes entre as partes, nos termos do art. 55,
XIII, §2º, da Lei 8.666⁄93.
O acórdão
recorrido, por sua vez, após extensa argumentação acerca da admissão da
arbitragem para a resolução de conflitos que envolvam contratos administrativos
celebrados por sociedades de economia mista, tendo em vista a disponibilidade
dos interesses envolvidos e o regime jurídico de direito privado aplicável à
hipótese (já que o contrato celebrado entre as partes não envolveria a
prestação de serviço público), conclui que:
(i) “o fato de
envolver licitação não significa obstáculo para que as partes resolvam seus
conflitos por arbitragem” (e-STJ, fls. 703);
(ii) “admissível
a realização de compromisso arbitral nos contratos administrativos” (e-STJ fls.
704).
De fato, tanto a
doutrina como a jurisprudência já sinalizaram no sentido de que não existe
óbice legal na estipulação da arbitragem pelo poder público, notadamente pelas
sociedades de economia mista, admitindo como válidas as cláusulas
compromissórias previstas em editais convocatórios de licitação e contratos.
Aliás, pelo
contrário, exulta-se a utilização da arbitragem, diante da sua maior celeridade
e especialidade em comparação com Poder Judiciário. Nas palavras do i.
Professor THEMÍSTOCLES BRANDÃO, citado pelo ex-Ministro EROS GRAU:
Parece-me que a
administração realiza muito melhor os seus fins e a sua tarefa, convocando as
partes que com ela contratarem a resolver as controvérsias de direito e de fato
perante o juízo arbitral, do que denegando o direito das pares, remetendo-as ao
juízo ordinário ou prolongado o processo administrativo, com diligências
intermináveis, sem um órgão diretamente responsável pela instrução do processo.
("Da Arbitrabilidade de Litígios Envolvendo Sociedades de Economia Mista e
da Interpretação de Cláusula Compromissória. (in Revista de Direito Bancário do
Mercado de Capitais e da Arbitragem, ano 5, out-dez⁄2002, p. 399)
No mesmo
sentido, ARNOLD WALD e ANDRÉ SERRÃO:
O acesso à
segurança jurídica, à celeridade e a especialização técnica de um tribunal
arbitral podem constituir um interesse público primário, cuja
indisponibilidade, ao contrário de proibir sua utilização, estaria a exigir que
a Administração Pública viesse a valer-se da arbitragem” (in Revista de
Arbitragem e Mediação, ano 5, v. 16, jan-mar⁄2008, p. 20).
Quando ainda era
Desembargadora do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, também já me
manifestei favoravelmente à arbitragem para a solução dos conflitos que
envolviam sociedade de economia mista:
MANDADO DE
SEGURANÇA - PÓLO PASSIVO - TEMPESTIVIDADE - LICITAÇÃO - INTERESSE PÚBLICO
INDISPONÍVEL - JUÍZO ARBITRAL - DECRETO-LEI Nº 2.300 E LEI 8.666.
POSSIBILIDADE.
(...)
III - Pelo art.
54, da Lei 8.666⁄93, os contratos administrativos regem-se pelas suas cláusulas
e preceitos de direito público, aplicando-se-lhes supletivamente os princípios
da teoria geral dos contratos e as disposições de direito privado, o que vem
reforçar a possibilidade de adoção do Juízo arbitral para dirimir questões
contratuais. (MS 199800200366-9, Conselho Especial, TJDF, J. 18.05.1999, DJ
18.08.1999, in Revista de Direito Bancário, do Mercado de Capitais e da
Arbitragem, ano 3, v.8, 2000, p. 359-373)
Esta Corte
também já se pronunciou acerca da viabilidade do juízo arbitral em contratos
administrativos firmados por sociedades de economia mista, cumprindo citar
alguns trechos do voto do Min. LUIZ FUX, proferido em sede do MS 11.308-DF, DJ
19.05.2008:
Destarte, as
sociedades de economia mista encontram-se em situação paritária em relação às
empresas privadas nas suas atividades comerciais, consoante leitura do artigo
173, § 1º, inciso II, da Constituição Federal, evidenciando-se a inocorrência
de quaisquer restrições quanto à possibilidade de celebrarem convenções de
arbitragem para solução de conflitos de interesses, máxime quando legitimadas
para tal as suas congêneres.
Ainda que as
sociedades de economia mista estejam inseridas na órbita da Administração
Pública Indireta, é bem verdade que suas atividades restam disciplinadas,
majoritariamente, pela disciplina negocial das empresas privadas, como por
exemplo, a penhorabilidade dos seus bens, aplicando-se-lhes o direito público
apenas subsidiariamente, naquilo que não for incompatível com o seu regime
privado, como aos princípios insculpidos no artigo 37 da Constituição Federal.
Por sua vez,
evitar que em um contrato administrativo, firmado entre partes de natureza
comercial estipule-se cláusula arbitral é restringir aonde a lei não o fez.
(sem destaque no original)
Assim também:
PROCESSO CIVIL.
JUÍZO ARBITRAL. CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA. EXTINÇÃO DO PROCESSO. ART. 267, VII,
DO CPC. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. DIREITOS DISPONÍVEIS. EXTINÇÃO DA AÇÃO CAUTELAR PREPARATÓRIA POR
INOBSERVÂNCIA DO PRAZO LEGAL PARA A PROPOSIÇÃO DA AÇÃO PRINCIPAL.
1. Cláusula
compromissória é o ato por meio do qual as partes contratantes formalizam seu
desejo de submeter à arbitragem eventuais divergências ou litígios passíveis de
ocorrer ao longo da execução da avença. Efetuado o ajuste, que só pode ocorrer em
hipóteses envolvendo direitos disponíveis, ficam os contratantes vinculados à
solução extrajudicial da pendência.
2. A eleição da
cláusula compromissória é causa de extinção do processo sem julgamento do
mérito, nos termos do art. 267, inciso VII, do Código de Processo Civil.
3. São válidos e
eficazes os contratos firmados pelas sociedades de economia mista exploradoras
de atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação
de serviços (CF, art. 173, § 1º) que estipulem cláusula compromissória
submetendo à arbitragem eventuais litígios decorrentes do ajuste.
4. Recurso especial parcialmente provido. (REsp
612439⁄RS, Rel. Min. João Otávio de Noronha, 2ª Turma, DJ 14⁄09⁄2006) (sem
destaque no original).
A peculiaridade
da hipótese analisada reside no fato de que, no contrato celebrado entre as
partes, não foi estabelecida a arbitragem como meio de solução de controvérsias
(cláusula compromissória). O compromisso arbitral foi firmado posteriormente
pela concessionária recorrente.
Importante
esclarecer que há uma clara distinção feita pela lei 9.307⁄96 entre as duas
figuras jurídicas. Depreende-se da leitura dos seus arts. 8º e 9º que, enquanto
a cláusula compromissória, inserida previamente nos contratos, é genérica e
refere-se a eventuais futuros litígios, o compromisso arbitral é firmado
posteriormente e pressupõe a existência de uma determinada controvérsia, sendo
que as partes resolvem submetê-la ao juízo arbitral, firmando o compromisso em
sede do próprio juízo ou Tribunal arbitral ou por meio de instrumento
particular, como ocorreu na hipótese.
Todavia, o fato
de não haver previsão da arbitragem no edital de licitação ou no contrato
celebrado entre as partes, não invalida o compromisso arbitral firmado
posteriormente.
O princípio da
vinculação das partes ao edital de licitação (arts. 3º e 41 da Lei 8.666⁄93)
tem por finalidade precípua estabelecer as regras do certame, assegurando a
todos os participantes o prévio conhecimento acerca do objeto em disputa com
precisão e clareza, possibilitando-lhes iguais condições no oferecimento e
análise de suas propostas. Nas palavras de HELI LOPES MEIRELES, “o edital é a
lei interna na licitação” (Licitação e Contrato Administrativo. 15ª Ed. São
Paulo: Malheiros, 2010, p. 50-51), ou seja, visa-se garantir a lisura da
licitação, no que respeita ao seu próprio conteúdo.
A previsão do
juízo arbitral, em vez do foro da sede da administração (jurisdição estatal),
para a solução de determinada controvérsia, não vulnera o conteúdo ou as regras
do certame. Com efeito, não se pode dizer que a licitação teria outro resultado
ou dela participariam mais ou menos concorrentes unicamente pelo fato de estar
ou não previsto determinado foro para solução de controvérsias.
Embora seja
cláusula obrigatória do contrato administrativo, nos termos do art. 55, XIII,
§2º, da lei 8.666⁄93, a cláusula de foro não pode ser considerada essencial aos
contratos administrativos. Com efeito, ensina-nos HELI LOPES MEIRELES:
(...) de um modo
geral, são consideradas cláusulas essenciais ou necessárias em todo contrato
administrativo as que: definam o objeto e seus elementos característicos,
estabeleçam o regime de execução da obra ou do serviço, ou a modalidade de
fornecimento; fixem o preço e as condições de pagamento, os critérios,
data-base e periodicidade do reajustamento de preços, os critérios de
atualização monetária entre a data do adimplemento das etapas da execução,
conclusão, entrega, observação e recebimento definitivo, conforme o caso;
indiquem o valor e os recursos para tender Às despesas contratuais, com a sua
classificação funcional programática e a categoria econômica; discriminem os
direitos o obrigações das partes e fixem as penalidades e o valor das multas;
estabeleçam os casos de rescisão do contrato; prescrevam as condições de
importação, a data e taxa de câmbio para conversão, quando for o caso (Op. Cit.
p. 287).
No mesmo
sentido: MARIA ADELAIDE DE CAMPOS FRANÇA, Lei de Licitações e Contratos da
Administração Pública, São Paulo: Saraiva, 2010, p. 208.
Ademais, a
referida cláusula de foro não é incompatível com o juízo arbitral. Dentre as
várias razões apontadas pela doutrina, pode-se mencionar: a necessidade de
atuação do Poder Judiciário para a concessão de medidas de urgência; para a
execução da sentença arbitral; para a própria instituição da arbitragem quando
uma das partes não a aceita de forma amigável. Nesse sentido: CARLOS ALBERTO
CARMONA, Considerações sobre a cláusula compromissória e a eleição de foro, in
Arbitragem – Estudos em homenagem ao Prof. Guido Fernandes da Silva Soares, São
Paulo: Atlas, 2007, p. 37 e EROS ROBERTO GRAU, Op. Cit. p. 404).
Assim, ambas as
cláusulas podem conviver harmonicamente, de modo que as áreas de abrangência de
uma de outra são distintas, inexistindo qualquer conflito.
Especificamente,
no âmbito do Poder Público, há ainda a questão da impossibilidade de
instituição do juízo arbitral para dirimir determinadas controvérsias que
envolvem direitos indisponíveis, sendo necessária, portanto, a atuação da
jurisdição estatal, cuja competência será fixada pela cláusula de foro prevista
obrigatoriamente nos contratos administrativos.
Esse, contudo,
não é o caso dos autos, cujo objeto da arbitragem limita-se à discussão acerca
da manutenção do equilíbrio econômico financeiro do contrato, ou seja, não
envolve direitos indisponíveis. Com efeito, a controvérsia estabelecida entre
as partes é de caráter eminentemente patrimonial e disponível, tanto assim que
as partes poderiam tê-la solucionado diretamente, sem intervenção tanto da
jurisdição estatal, como do juízo arbitral.
Preferiram, no
entanto, optar pela arbitragem, mediante a celebração do compromisso arbitral,
posteriormente impugnado pela recorrente. Observe-se que se tratou de um ato
voluntário da administração – concessionária – submeter a controvérsia ao juízo
arbitral, renunciando ao juízo estatal.
Nesse contexto,
pode-se dizer que a atitude posterior da recorrente, de impugnar seu próprio
ato, beira às raias da má-fé, além de ser evidentemente prejudicial ao próprio
interesse público de ver resolvido o litígio de maneira mais célere.
Em suma, assim
como a concessionária recorrente teria autonomia para resolver a controvérsia
relativa ao equilíbrio econômico financeiro do contrato celebrado com a
recorrida sem precisar de autorização legislativa ou de recorrer ao Poder
Judiciário, haja vista a disponibilidade dos interesses envolvidos, ela também
tem autonomia para eleger um árbitro que solucione a controvérsia.
Outrossim, uma
vez firmado o compromisso e determinado o objeto da arbitragem, todas as demais
controvérsias eventualmente existentes entre as partes, bem como as medidas de
urgência ou de caráter executivo que envolvam a arbitragem, devem ser
submetidas ao Poder Judiciário, no foro da sede da concessionária
(Curitiba-PR), conforme cláusula inserta no contrato celebrado entre as partes,
a qual, pelas razões supramencionadas, não é incompatível com o compromisso
impugnado.
Inexiste,
portanto, qualquer violação ao art. 41 da Lei de 8.666⁄93, pelo acórdão
recorrido.
V – Do Dissídio
Jurisprudencial
Entre os
acórdãos trazidos à colação pela recorrente, não há o necessário cotejo
analítico nem a comprovação da similitude fática, elementos indispensáveis à
demonstração da divergência. Assim, a análise da existência do dissídio é
inviável, porque não foram cumpridos os requisitos dos arts. 541, parágrafo
único, do CPC e 255, §§ 1º e 2º, do RISTJ.
Forte nessas
razões, NEGO PROVIMENTO ao recurso especial.
Documento:
18381589 RELATÓRIO E VOTO
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